Em Portugal, habituamo-nos a associar a oposição à União Europeia às forças políticas radicais. As convenções dizem-nos que o Partido Comunista e grande parte do Bloco de Esquerda são contra a União Europeia, e os partidos do chamado “arco da governação” (peço desculpa pelo uso desta terrível expressão) são pró-Europeus. Desde o final da década de 1970, a defesa da integração europeia tem sido um elemento central da legitimidade política em Portugal. Esses tempos acabaram. Com a crise, acabou o consenso pró-europeu; e a oposição à União Europeia chegou ao PS e ao PSD (mais do que ao CDS, curiosamente).

Claro que os novos oposicionistas à Europa, sendo muitos deles “velhos” europeístas, ainda não reconheceram a mudança. Vivem em negação. Em teoria, continuam a definir-se como “convictamente pró-europeus”; mas na realidade deixaram de o ser. Recordam-nos o que Stuart Mill disse um dia do seu pai, James Mill, “o meu Pai ama a humanidade em geral, mas detesta cada pessoa em particular.” Os novos “cépticos” em relação à Europa também amam a Europa em geral, mas são contra todas as políticas europeias.

Devemos, no entanto, reconhecer que foi a Europa que mudou, não foram eles. A “velha” Europa dava sobretudo os recursos necessários para governar. Por isso, dava votos. Além disso, a “Europa” deu poder às novas elites democráticas. Permitiu distribuir dinheiro e contratos pelas empresas, financiar bancos e oferecer empregos públicos – quantas empresas públicas, nacionais e municipais, foram construídas para empregar “camaradas socialistas” e “companheiros sociais-democratas”?

A “nova” Europa transfere recursos, mas exige reformas que enfraquecem o poder de quem beneficiou da “velha” Europa. A Alemanha tem mais poder, mas deixou de pagar o que pagava. Os mercados e o BCE financiam mas já não permitem que se acumulem dívidas e, pelo contrário, forçam cortes nas despesas. Assim, a “Europa” já não dá os votos que dava (e em Portugal, ainda dá bem mais do que noutros países europeus). Por isso, os “velhos europeístas” deixaram de gostar da Europa.

A “nova” Europa está a ajudar a destruir o poder que a “velha” Europa deu a muitos, a maioria no PS e no PSD. Se a “Europa” deixou de garantir automaticamente votos e de distribuir dinheiro para as clientelas partidárias, não admira que a oposição à União Europeia tenha aumentado. E a questão decisiva passou a ser: será possível reconstruir um amplo apoio à União Europeia? Não sei se será. Mas sei que se for possível, desta vez será mais por causa dos valores e menos por causa do dinheiro, ao contrário do que aconteceu até ao início da crise. Seremos capazes de defender a Europa pelos seus valores e não pelo seu dinheiro? Eis o maior teste à democracia portuguesa desde o 25 de Abril.

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