A TAP tem sido, até agora, vítima de guerras incompreensíveis que desembocaram na inviabilização de apoiar a empresa no âmbito das regras de ajudas de Estado por causa da pandemia. O plano de reestruturação, que agora vai ser negociado em Bruxelas, terá, por isso, de ser concretizado em menos tempo – cinco em vez de sete anos – e a gestão e o accionista português terão de obedecer às medidas que decidir a direcção geral europeia da concorrência, que bem sabemos o que fez aos bancos portugueses na era da troika.
Neste momento, a TAP é a única companhia aérea europeia que vai ser apoiada segundo as regras gerais de ajudas públicas. Até a Condor, insolvente em finais de 2019 e em Fevereiro de 2020, conseguiu ser ajudada no âmbito das regras temporárias da pandemia. Se a Condor o conseguiu, é muito difícil perceber como é que Portugal não foi capaz de convencer Bruxelas de que a TAP não estava em dificuldades antes da pandemia, o que manifestamente é verdade como o demonstra a sua vida económica e financeira em 2019, e que os negociadores portugueses poderiam bem ter usado.
Em 2019, a TAP conseguiu financiar-se duas vezes nos mercados financeiros sem qualquer garantia do Estado, uma delas nos mercados financeiros internacionais. A Lufthansa, se não tivesse acontecido a pandemia, seria agora accionista da TAP depois de ter avaliado a companhia em 800 milhões de euros.
Mas, segundo as palavras do ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, o que contou para Bruxelas foi o facto de a TAP SGPS ter capitais próprios negativos e existirem atrasos de pagamento superiores a 90 dias. Não interessou o facto de a TAP ter um resultado operacional positivo, nunca ter estado nas dificuldades em que esteve a Condor e ter passado nos testes do mercado financeiro e do interesse em ser comprada. São demasiadas dúvidas, para estarmos seguros de que a negociação não possa ser atribuída a falta de capacidade negocial do lado português. Foi essa negociação que fez com que a TAP esteja a ser apoiada como se não existisse nenhuma pandemia, caso único no panorama da aviação europeia.
Já se tinha cometido um erro grave ao atirar borda fora o accionista David Neeleman, o único que percebia de aviação, atributo, se não determinante, pelo menos importante para a afirmação global de qualquer companhia aérea. É preciso não esquecer que antes de Neeleman, a TAP tinha Fernando Pinto, também ele um profundo conhecedor do sector. A prazo pode não ter ninguém.
Diz o ministro Pedro Nuno Santos que não foi uma escolha, pagar a Neeleman, mas um resultado inevitável, porque o accionista não queria nem tinha dinheiro para meter na TAP. E que o contrato – feito já na era de António Costa, o que parece ser uma crítica ao modelo da reversão da privatização feita pelo primeiro-ministro – obrigava a pagar a Neeleman. Não é tão claro que seja assim. Primeiro porque Humberto Pedrosa também tem prestações acessórias, não meteu nem mais um tostão e ficou como accionista. E David Neeleman faz mais falta à TAP, pelo conhecimento e contactos que tem no sector. Temos de recordar, inevitavelmente, que as guerras com Neeleman começaram quando Pedro Nuno Santos assumiu a pasta das Infraestruturas, ainda antes da pandemia. Com Pedro Marques, o seu antecessor, tudo parecia correr bem.
Para que a TAP se salve, esperemos que se entre agora num novo capítulo. Porque os desafios são enormes. Primeiro, é preciso ter uma equipa a negociar em Bruxelas que perceba de aviação para que se consiga controlar, pelo menos em parte, os danos de a TAP estar a ser apoiada como se não existisse uma pandemia que colocou os aviões em terra. Parece óbvio que a companhia aérea portuguesa só está em dificuldades por causa da pandemia, ela precisa de apoio para passar por esta crise de saúde pública, não precisa de ajuda. Aliás, basta responder a esta pergunta: precisaria a TAP de apoio do Estado se não tivesse havido a pandemia? Claro que não.
Se o plano de reestruturação não for aprovado garantindo à TAP uma dimensão mínima para a sua viabilidade económica e financeira, designadamente a possibilidade de continuar a ser uma plataforma europeia para a América do Sul e África, a companhia tem os dias contados. Como aliás tiveram as que entraram em processos de reestruturação no âmbito das regras gerais das ajudas de Estado.
Um segundo e importante desafio que a TAP tem pela frente é o da sua gestão. Tendo perdido o accionista que percebia de aviação, precisa de massa crítica na gestão, um “Fernando Pinto”. Não vai ser fácil encontrar alguém que perceba de aviação e queira assumir a gestão da TAP com um salário altamente escrutinado, uma tutela que interfere publicamente nas decisões de gestão e alguns políticos que pensam que a empresa pode fazer carreiras com prejuízo, como acontece com o Porto.
Pode debater-se muita coisa, se se devia ou não fechar a empresa, se se devia ou não nacionalizar. Parece, no entanto, claro que destruir uma empresa viável é um erro e a TAP demonstrou em 2019 que tem viabilidade, tem espaço no sector global da aviação. Desse ponto de vista, não se está a ajudar, mas apenas a apoiar uma empresa para que ela atravesse a ponte da crise pandémica e, depois, possa voar sozinha. Todas as contas se podem fazer, mas um país como Portugal não se pode dar ao luxo de deixar cair uma empresa como a TAP e isto nada tem a ver com nacionalismos – é a economia que precisa da TAP.
Depois de um mau começo, esperemos que as negociações com Bruxelas, que deverão começar em Janeiro, se concentrem no essencial que é obter um plano que garanta a viabilidade da TAP. Já bastam os erros de ter pago para expulsar o accionista que percebia de aviação e de não se ter conseguido mostrar que, se não fosse a pandemia, a TAP não precisava de ajuda. Esta é a segunda oportunidade para a vida da empresa, depois de uma sucessão de acontecimentos que só têm prejudicado a TAP e que, a prazo, prejudicarão o país. António Costa não pode manter-se fora do que se está a passar.