Nos últimos anos, o mundo assistiu a transformações profundas. Estas mudanças redefiniram as necessidades e expectativas das sociedades modernas, exigindo ao poder político novas respostas. Contudo, a maioria dos partidos, na presente campanha eleitoral, revela uma terrível inércia. Predominam, ainda, propostas preguiçosas e superficiais ancoradas em pressupostos de um tempo que já passou, ignorando as dinâmicas e desafios do presente.

Ao nível da saúde, por exemplo, continuamos ideologicamente agarrados à ideia de que há uma superioridade moral num sistema gerido pelo Estado, demonizando os privados. Tal ignora, porém, que a medicina, hoje, é cada vez mais tecnológica e especializada, desafiando a noção tradicional de saúde pública. Os sistemas de saúde estão hoje interligados com prestadores de serviços privados, fornecedores de tecnologia e farmacêuticas que estão a alterar significativamente, uma medicina que tinha o médico no centro, para uma oferta complexa e diversificada. Os novos paradigmas vieram ainda tornar obsoletos os próprios modelos de carreira de médicos e enfermeiros, que cada vez mais valorizam não apenas aspetos como a remuneração e a estabilidade contratual, mas sobretudo a possibilidade de estarem perto de quem domina o conhecimento e a inovação. Os profissionais de saúde querem poder equilibrar prestação de cuidados com investigação e proximidade a quem tem o controle da tecnologia e da farmacologia. Os profissionais querem poder circular entre “público” e “privado”, porque para a larga maioria deles esta dicotomia há muito que não faz sentido, não sendo acompanhados pelo poder político nas suas aspirações.

É, portanto, paradoxal ver que o poder político ainda vende a ilusão da supremacia moral da prestação “pública” gerida pelo Estado, totalmente dependente de prestadores e fornecedores privados, conhecidas, como se sabem, as limitações estruturais que o setor público tem na hora de gerir com eficiência e antecipar necessidades.

A saúde não deixa de ser pública se o Estado se focar apenas naquilo que pode fazer melhor, que é assegurar a equidade no financiamento e as regras de acesso aos cuidados de saúde, tarefa fundamental num país onde, paradoxalmente, a gestão pública tem sido, na prática, fator de ineficiência e de negação de cuidados a muitos portugueses. Libertar a gestão da ineficiência pública para quem possa, de facto, organizar a oferta com eficiência, foi algo que, aliás, esteve na agenda dos governos de Guterres, Durão, Santana, Sócrates e Passos, e que nos últimos 8 anos por birra ideológica as governações de António Costa decidiram dar um passo atrás, com os resultados que são por demais visíveis.

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O mesmo se pode dizer do sistema de previdência e reformas, pilares fundamentais do contrato social nos países desenvolvidos, e que visam assegurar uma velhice digna para todos os cidadãos. É já um chavão gasto dizer que o sistema de previdência tradicional foi concebido numa era em que a pirâmide demográfica assegurava uma base ampla de contribuintes ativos para suportar os benefícios dos reformados, mas que o aumento da esperança média de vida e a diminuição das taxas de natalidade inverteram esta dinâmica, criando um cenário onde um número cada vez menor de trabalhadores suporta um número crescente de pensionistas. Apesar de ser já sabido que tal inversão é irreversível, pouco ou nada se tem feito para alterar os pressupostos da Previdência, criando injustiças gravíssimas no plano intergeracional, onde os reformados atuais beneficiam de reformas não capitalizadas com taxas de substituição elevadas, enquanto empurram os mais novos para reformas potencialmente muito mais baixas, apesar das taxas de esforço serem idênticas ou até superiores. Este desequilíbrio geracional tem vindo a agravar-se, com a mobilidade internacional que os mais novos desejam ou precisam, algo que desafia a lógica de carreiras contributivas longas e contínuas dentro de um único sistema nacional.

Ora, numa altura em que o debate deveria ser o de reformar profundamente a Previdência, abrindo espaço para um sistema dual onde os mais novos pudessem começar a acautelar o seu futuro de acordo com as exigências de uma vida muito distinta daquela que levou à previdência tradicional, a única coisa que assistimos é a um leilão irrealista de propostas financeiramente ruinosas, destinadas a seduzir o voto dos mais idosos. São vários os modelos que poderíamos estar a colocar em cima da mesa, mais liberais ou mais protecionistas, mas nenhum partido teve a coragem de introduzir este tema, tão importante para o futuro dos jovens, na presente campanha. Neste particular, é irónico que o partido cujas propostas em matéria de reformas mais penaliza os mais novos – o Chega – tenha tanta simpatia por parte dos eleitores entre os 18 e os 34 anos.

Outros casos poderíamos analisar onde se vislumbra uma assustadora desconexão entre as políticas propostas e as realidades atuais. Todos eles, no seu conjunto, revelam algo próximo daquilo que na psicologia se define ser, a “síndrome de Estocolmo” um fenómeno em que pessoas em situação de cativeiro desenvolvem laços afetivos ou sentimentos positivos em relação aos seus sequestradores, muitas vezes contra os próprios interesses ou segurança pessoal. Só assim se compreende como há, ainda, tanta resistência à mudança por parte do eleitorado, que com o seu voto mantém lealdade ou adesão emocional a políticas públicas antiquadas, mesmo quando todas as evidências racionais exibem à saciedade que grande parte do que é hoje oferecido serve mal os seus interesses e da comunidade. Como rompemos com este ciclo de dependência é um mistério que nenhum político em Portugal soube desvendar ou teve coragem de verbalizar, algo que será, no final, a razão fundamental do nosso atraso permanente.