Depois de tentar a presidência em duas ocasiões (1965 e 1974), em 1981 François Mitterrand chegou ao Eliseu como a áurea de ser o primeiro presidente socialista eleito no seu país. Mitterrand liderou a França entre 1981 e 1995. Desde o seu primeiro mandato que Mitterrand fomentou a ascensão da extrema-direita francesa, representada à época por Jean-Marie Le Pen e a sua “Front National” que emergia como força política de protesto, numa opção cujas motivações têm dado, ao longo do tempo, espaço às maiores especulações e teorias da conspiração (incluindo insinuações que Mitterrand teria um passado de colaboracionismo e amizades profundas com pessoas ligadas ao regime de Vichy, entre os quais, René Bousquet, uma destaca figura da extrema-direita francesa que terá apoiado financeiramente as suas campanhas políticas).

Logo em 1982, Mitterrand defendeu existir uma desproporção no tratamento mediático dispensado a Le Pen e, numa suposta tentativa de corrigir o que dizia ser uma “injustiça”, instruiu o seu Ministro das Comunicações a contestar junto dos chefes das emissoras de rádio e televisão o tempo de antena concedido ao líder da FN. Esta ação foi interpretada por alguns, como o jornalista Franz-Olivier Giesbert, como tendo sido uma manobra calculista e maquiavélica para desestabilizar a direita francesa, dando a Le Pen e ao seu partido uma plataforma de afirmação mais ampla e, consequentemente, mais influência (importa recordar que nos anos 80 não havia redes sociais, sendo muito mais difícil a afirmação de populismos sem apoio mediático convencional).

Famoso por gostar de manobrar a política nos bastidores, no curto prazo Mitterrand pensou manipular o sistema a seu favor. Logo em 1985, após uma derrota esmagadora nas eleições cantonais, o governo de Mitterrand decidiu alterar o método de votação para o tornar mais proporcional. Esta mudança, interpretada por Giesbert e outros como uma tática contra a direita parlamentar, teve como resultado o aumento do número de assentos na Assembleia de 491 para 577, algo que ajudou o Partido Socialista de Mitterrand a manter a maioria. A manobra, porém, teve um resultado inesperado, já que nas eleições subsequentes, de 1986, a FN garantiu 35 lugares, enquanto uma coligação de partidos de direita obteve uma maioria absoluta por uma margem estreita.

Para alguns, Mitterrand não terá tido um intuito manipulatório consciente na promoção da extrema-direita. O que, à distância, parece evidente, é que embora a intenção de Mitterrand fosse aparentemente fragmentar e enfraquecer os seus opositores políticos à direita, a sua estratégia (que até resultou para si, que sobreviveu bem até 1995), acabou por legitimar e fortalecer a extrema-direita, alterando irrevogavelmente o tecido político francês. A ascensão do FN, nos anos 90 e sobretudo com a entrada em cena de Marine Le Pen, não obstante causar dificuldades para os partidos de direita tradicionais, esvaziou principalmente os partidos de esquerda.

Em Portugal, as manobras de curto prazo do PS e de António Costa, de promoção do Chega, estão a dificultar de sobremaneira a afirmação das lideranças de partidos como o PSD e o CDS, mas com a normalização do discurso do partido de Ventura e o sucesso da sua receita populista, começa a ter-se uma sensação, literalmente de “déjà-vu”, com repercussões que se antecipam profundas e duradouras (basta pensar no esgotamento que o voto jovem exibe em relação aos partidos tradicionais).

A alternância do equilíbrio do poder em Portugal e a natureza do discurso político no nosso país parece estar a erodir, particularmente, os partidos de esquerda, muito a reboque do esgotamento da sua agenda que não apresenta quaisquer respostas para os problemas estruturais de um país envelhecido e monolítico, algo que poderá ser ratificado nas próximas eleições legislativas. Para já, as eleições nos Açores mostraram que o crescimento do Chega não tem de impedir o crescimento da AD e da IL, havendo também sinais de que, no Continente, a tendência poderá ser, até, mais acentuada, de maioria dos partidos de direita, sem o Chega. França e Mitterrand escreveram as páginas de um livro que se está agora a estrear em Portugal, quase quarenta anos depois, mas que foi já lido em vários países europeus, com resultados distintos: se em França, o esvaziamento da esquerda e do socialismo permitiu à direita governar e afastar a FN do Poder – até ver –, em Itália, na Holanda, ou na Áustria o eleitorado mudou o eixo da governação para o pêndulo nacionalista. Veremos que página vai ser escrita em Portugal.

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