Tendo em conta o resultado da primeira volta, Macron ainda é, ligeiramente, o favorito para vencer as eleições presidenciais francesas. Mas não faço a minha ideia se ganhará, e existe um grande risco que Le Pen seja eleita. As pessoas que nos garantem que Le Pen nunca será eleita pelos franceses são as mesmas que juravam que Trump nunca ganharia e que o Brexit nunca aconteceria. Nota-se em França a mesma revolta das massas contra as elites políticas a que assistimos nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Mas mesmo que Le Pen não seja eleita Presidente de França, os resultados da primeira volta marcam o fim do sistema partidário da V República. Os candidatos dos dois partidos que deram todos os presidentes franceses até Macron, entre De Gaulle e Hollande, não chegaram aos 7%. A candidata socialista recebeu menos de 2% dos votos, e a candidata Gaullista não chegou aos 5% dos votos (há cinco anos o candidato do mesmo partido, Fillon, alcançou os 20%). Imaginem uma eleição presidencial em Portugal onde o candidato do PS tivesse 2% e o do PSD 5%. Foi o que aconteceu em França.

Mais de metade dos eleitores franceses votaram em candidatos radicais de direita e de esquerda. Candidatos que no passado ou no presente manifestaram a sua admiração por Putin. Ninguém sabe até onde irá a radicalização em França. Mas sabemos que serão os eleitores de Mélenchon a decidir o vencedor. O mais provável é que a maioria dos 20% que votaram no candidato da extrema esquerda fique em casa na segunda volta.

Macron cometeu um enorme erro quando renunciou fazer campanha na primeira volta. Permitiu que Marine Le Pen marcasse a agenda eleitoral – o que é sempre uma vantagem política – e reforçou a sua imagem de arrogante e distante do povo francês. Conseguirá Macron emendar esse erro em duas semanas? A resposta a esta questão dirá se Macron perde ou ganha.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas a eleição de Macron há cinco anos já havia sido um sinal muito forte do desaparecimento do sistema partidário da V República. Em 2017, Macron acabou com o partido socialista; agora, ajudou, ele e Zemmour, a acabar com os republicanos. Nesse sentido, Macron foi o primeiro Presidente do pós-V República. Mas Macron não tem partido, lidera um movimento político pouco institucionalizado. Mesmo que ganhe agora, o que acontecerá daqui a cinco anos? Com os partidos tradicionais desfeitos, a política francesa ficará ainda mais sob o poder de movimentos populistas e radicais.

No actual contexto internacional, com a Guerra na Ucrânia, seria ainda mais importante que Macron fosse reeleito. Mas se Le Pen ganhar, os grandes culpados têm quatro nomes: Mitterrand, Chirac, Sarkozy e Hollande. Durante 36 anos, portaram-se como ‘monarcas absolutistas’, sempre mais preocupados com os jogos políticos da ‘corte parisiense’ do que em resolver os problemas dos franceses. Só se preocupavam em falar aos franceses quando precisavam dos seus votos, mas entre as eleições portavam-se como os ‘donos de França‘, simbolizando a própria França. Na tradição Gaullista, eles eram a França. Não sei se a França será capaz de melhor, mas se não for, a sua democracia continuará a sofrer de grandes fragilidades.

Os populismos são as respostas às crises das democracias. Não culpem os franceses, nem sequer Le Pen – está a aproveitar os despojos que os outros deixaram. Os culpados são os partidos tradicionais que levaram a França para o abismo. E nem Macron aprendeu com o que aconteceu em 2017. Por isso, a última esperança de todos os moderados europeus é que a maioria dos franceses ainda se recuse a eleger Le Pen. É um consolo muito fraco.