A frase, de tão repetida, tornou-se célebre. Originalmente, foi escrita por Thomas Jefferson, imagine-se, no século XVIII: “Se tivesse que escolher entre ter um governo sem jornais ou ter jornais sem um governo, eu não hesitaria um momento em preferir a segunda hipótese.” Convém ler as palavras com atenção, para evitar equívocos de espíritos mais precipitados: Jefferson disse que preferia “ter jornais sem um governo” — não disse que preferia “ter jornais de um governo”.

Nos últimos dias, com a crise na Global Media, várias pessoas exigiram, com diferentes graus de urgência e histrionismo, que o governo nacionalizasse o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF e, presumo, também o Jogo, a Men’s Health e a N-TV, tudo marcas do grupo. Não é, obviamente, uma ideia para levar a sério. Mas uma outra proposta, defendida acesamente pelo ainda ministro da Cultura, tem sido apresentada como uma generosidade estatal irresistível e como uma fórmula milagrosa para resgatar a comunicação social dos riscos da falência e das garras do capitalismo.

O plano de Pedro Adão e Silva é este: primeiro, o Estado torna-se o accionista único da Lusa; depois, magnânimo, oferece aos meios de comunicação social, por atacado, todas as notícias produzidas pela agência de notícias. Nas contas do ministro, haveria 750 órgãos de comunicação social a receber estes conteúdos jornalísticos de forma gratuita e massiva. Para o ministro da Cultura, esta seria uma medida “transversal, simples, eficaz e eficiente do lado da oferta”.

O problema, precisamente, é que esta seria uma medida “do lado da oferta”. Se Adão e Silva conseguisse o que quer, teríamos uma agência de notícias do Estado a alimentar, de forma incessante, 750 órgãos de comunicação social — o que, como se percebe com facilidade, teria um efeito perverso e inevitável sobre todos os media. Afinal, se a produção noticiosa da Lusa, que é enorme, for gratuita, naturalmente os meios de comunicação social terão a tentação de utilizar tudo — rigorosamente tudo — o que lhes for disponibilizado. Com o passar do tempo, como é óbvio, tomarão as decisões financeiramente mais racionais e deixarão de cobrir acontecimentos onde a Agência Lusa esteja presente: afinal, se podem ter aquela notícia à borla, para quê pagar a um jornalista para lá ir também, mesmo que traga um ponto de vista singular? Muito rapidamente, a esmagadora maioria daqueles 750 jornais de que fala Adão e Silva seriam uma mera extensão da Agência Lusa: todos iguais, com textos iguais, parágrafo por parágrafo, palavra por palavra, letra por letra. É difícil imaginar um cenário pior para o pluralismo — que rapidamente se transformaria em unanimismo.

O erro fatal do plano de Pedro Adão e Silva é partir do pressuposto nocivo de que o Estado deve fazer jornalismo e oferecer jornalismo. Era difícil — mesmo muito difícil — ter uma ideia pior.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR