É sempre um momento emocionante na ciência, quando uma teoria célebre e há muito entronizada é corrigida por outra, que a vem substituir. Em 1905, Albert Einstein publicou pela primeira vez a equação E=mc², teorizando que a energia é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Mais de um século depois, o mundo descobre que, afinal, E=m∞². Ou seja, a energia é igual à massa multiplicada pelo infinito ao quadrado. O expoente é redundante quando a base não tem limite, mas o cientista optou por mantê-lo na fórmula, para se perceber que estamos a falar mesmo de muita massa. Já a velocidade da luz, não precisa de estar na equação. Em movimento ou parada, a luz é uma constante caríssima. Quem tem prestado atenção às facturas da electricidade não pode dizer que foi apanhado de surpresa por este avanço científico.

Com a sua teoria, Einstein revolucionou o mundo da Física. Desta feita, a revolução ocorre no mundo da educação física. Ao preço que está o aquecimento, se não queremos enregelar, vamos ter de passar o dia a praticar exercício.

Não era preciso ser assim. O Ocidente tem reservas próprias de gás, petróleo e carvão, além de fornecedores fiáveis que não são ditaduras. Tem centrais nucleares. Vivemos na sociedade mais afluente da história, com o maior número de pessoas fora da pobreza. Apesar disso, vamos começar a racionar energia. Como é que chegámos aqui?

Quem leu The Handmaid´s Tale (ou viu a série), sabe. Ou melhor, é provável que saiba, sem saber que o sabe. A distopia de Margaret Atwood não serve só como aviso em tempos de retrocesso dos direitos das mulheres, como o que se vive nos EUA depois da recente decisão do Supremo Tribunal sobre o aborto. Não há dúvida de que o ataque aos direitos das mulheres agora em curso faz lembrar as condições de vida das habitantes de Gilead, subjugadas à vontade dos homens. Mas The Handmaid´s Tale também é actual por outra razão.

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É que o regime totalitário de Gilead resulta das políticas postas em prática para combater os efeitos de alterações climáticas. O pânico, causado pelos problemas de fertilidade que afectam a sociedade faz as autoridades tomaram medidas drásticas, prepotentes e irracionais, com certeza absoluta de terem razão, certeza de a causa ser justa e boa e certeza de estarem a salvar a humanidade. Redunda em teocracia, supressão de direitos e um ritual de fertilidade que parece saído de um filme pornográfico realizado por Cottinelli Telmo e protagonizado por Ribeirinho: “Pai, tirano e à bruta!”

Medidas que, é evidente, não ajudam a resolver os problemas ambientais. Apenas tornam pior a vida das pessoas que não façam parte da casta superior. São sinalizações de virtude sem qualquer efeito prático positivo e parecem-se apenas com penitências. Como a descarbonização que o Ocidente insiste em fazer e que não vai ter qualquer influência nas alterações climáticas.

Exortados por jeremiadas como as do beato Guterres, os fanáticos religiosos estão dispostos a embarcar em vários tipos de exageros para evitar um suposto apocalipse. Criando, com esses exageros, uma situação bem pior que o suposto apocalipse. Que é o que vai acontecer já este Inverno, com pobreza energética a causar piores consequências do que as do aquecimento global. Já para não falar das consequências do aquecimento global que deixamos de conseguir combater por faltar energia para ares condicionados durante ondas de calor, aquecimento durante vagas de frio, bombas de água durante cheias ou depósitos de carros para fugir de incêndios. Temos os eventos mais extremos dos últimos cem anos (não temos, é exagero) e queremos combatê-los com a realidade energética de há cem anos (também é exagero, mas não vou ser eu o único a não hiperbolizar). E com a agravante de as medidas que foram tomadas, e que causaram esta situação, não terem qualquer impacto no aquecimento global. Todos os comprometimentos europeus e americanos têm um impacto mínimo, ainda mais se a China e a Índia não fizeram nada. Impacto mínimo no aquecimento global, não na maçada para o nosso dia-a-dia.

Tem graça ouvir António Guterres insurgir-se contra os preços da energia, quando os preços estão altos por causa das medidas contra os combustíveis fósseis incentivadas pelo próprio Guterres. O chefe da ONU parece um profeta bíblico a vergastar um rei da Judeia pela vida debochada que leva com um rodízio de meretrizes contratadas, justamente, no bordel do profeta bíblico.

Dá muito jeito evocar o The Handmaid’s Tale para carpir mágoas sobre o aborto, mas este paralelismo entre medidas absurdas de zelotas tomadas por causa do clima, no livro e na vida real, também é bem esgalhado pela Sra. Atwood e é uma pena que se perca. Aquela combinação bizarra entre touca branca e roupão vermelho, que faz com que as mulheres pareçam candeeiros de secretária da Moviflor, não devia ser só para usar em manifestações pró-aborto, também devia servir para protestar quando se atesta o depósito de gasolina.

Este Inverno, o resultado destes últimos anos a forçar uma transição energética para a qual ainda não estamos preparados vai-nos bater à porta. Obviamente, não vamos abrir, para não se escapar o pouco calor que ainda conseguimos ter nas nossas casas. Mas não interessa, o resultado está aí: independência energética para o galheiro, preços a subir, racionamento e empobrecimento em geral.

Face a isto, há quem defenda que devíamos acelerar ainda mais a transição energética. O que é parvo. Para já, trata-se de um oximoro, uma vez que acelerar implica um gasto suplementar de energia que as renováveis têm dificuldade em fornecer . Quando muito, daria para pôr em ponto morto e empurrar a transição energética. Depois, continuam a não explicar como é que querem depender cada vez mais de ventoinhas e painéis solares que, devido à intermitência e incapacidade de armazenamento, necessitam sempre do backup de uma central que funciona a combustíveis fósseis.

O Governo já percebeu isso. Mais ou menos. Daí não estar disposto a efectuar o corte de 15% no gás proposto pela UE, comprometendo-se antes com um corte de 7%. Se bem que este corte de 15% que o Governo português se recusa a fazer é mais ou menos o corte que teremos de fazer anualmente para atingir as metas de neutralidade carbónica até 2050 com que este mesmo Governo se comprometeu lá nos concílios do culto, de onde os priores vêm sempre muito contentes consigo próprios – ou até congelarmos todos, o que vier primeiro. Ou seja, de manhã, Costa é um campeão do ambiente e vai tornar Portugal um país Net Zero. À tarde, alto lá com esse corte no gás!, que a gente não quer ser um país sub-zero.

Convém recordar que não estamos assim por causa da guerra na Ucrânia, por mais que nos queiram convencer que é um imprevisto (não era). Estamos assim porque resolvemos obliterar o sistema energético e substituí-lo por outro que, na melhor das hipóteses, ainda não está maduro. É que cortar com os combustíveis fósseis a frio, faz frio.

Entretanto, continuamos a ser dos poucos países que não reactivaram as suas centrais a carvão. E muito bem. Reactivar é para meninos. Para quê queimar carvão, quando temos contas de luz com cada vez mais páginas e que também ardem muito bem? Parabéns a nós! Merecemos um bolo e tudo. Não podemos é apagar as velas, que ainda vão dar jeito quando ficarmos às escuras.