1 Vamos ser claros: Miguel Albuquerque fez mal em prometer que não governaria sem uma maioria absoluta — e sim, a sua promessa refere-se a uma maioria absoluta da sua coligação e ficou a um deputado desse resultado

E pode-se dizer que terá faltado à sua palavra quando não se demitiu por não ter atingido os 24 deputados que fariam a maioria absoluta para a coligação PSD/CDS. Quando um político não cumpre uma promessa, prejudica a credibilidade da democracia.

Mas se há questão que me chateia são os dois pesos e duas medidas que muitos analistas políticos — uns assumidamente de esquerda e outros travestidos de uma sonsa objetividade que com os microfones desligados se transforma numa inclinação desde sempre para o PS — usam e abusam.

2 Em primeiro lugar, como é possível tentar transformar Miguel Albuquerque num dos derrotados da noite? Como é possível considerar alguém como derrotado quando a coligação que liderou obteve de longe o maior número de votos (58.399 votos que representam 43,13% do total do escrutínio) face ao segundo classificado, o PS, que não foi além dos 28.844 votos (menos de metade do vencedor) e que perdeu cerca de 40% do seu eleitorado face a 2019?

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E como é possível considerar que o atual presidente do Governo Regional da Madeira é um dos derrotados quando é bastante provável — como já era na noite das eleições — que continue a liderar o Executivo madeirense por mais quatro anos com uma nova maioria absoluta de coligação parlamentar?

É preciso muita lata para ir por aí. Infelizmente, no nosso espaço público não faltam pessoas que têm mesmo muita lata e dançam a valsa conforme o sentido do vento.

3 Não deixa de ser curioso que aqueles que quiseram crucificar Miguel Albuquerque são praticamente os mesmos que acharam lindamente as omissões de António Costa durante a campanha para as legislativas de 2015.

Por acaso António Costa foi claro — como Albuquerque foi — nas semanas que antecederam as legislativas de 4 de outubro para 2015 e disse de forma clara aos eleitores o que faria se perdesse as eleições? Por acaso Costa disse ao seu eleitorado que promoveria uma coligação com o PCP e o Bloco de Esquerda em caso de maioria parlamentar da esquerda?

Não o fez. E, se o tivesse feito, aposto que espantaria muito eleitorado moderado do centro e perderia uma parte significativa dos votos que lhe permitiram evitar a maioria absoluta da coligação PSD/CDS.

As omissões de António Costa são tão negativas — porque igualmente oportunistas do ponto de vista político — como o facto de Miguel Albuquerque ter adaptado a sua declaração feita em campanha eleitoral e fazer agora depender a sua demissão da hipótese (nula, como Albuquerque já sabia na noite eleitoral) de não conseguir formar uma maioria absoluta na Assembleia Legislativa da Madeira.

Mas claro está que Costa é um génio político e Albuquerque é um aldrabão.

Lamento, mas a criatividade inerente à análise política tem limites. E, como Maria João Avillez recordou no programa “Contra-Corrente” da Rádio Observador, é verdadeiramente extraordinário como Pedro Passos Coelho em 2015 ganhou as eleições mas é classificado perdedor, como Alberto Feijoo ganhou recentemente as eleições nacionais em Espanha e também é apelidado de perdedor.

E, agora, Miguel Albuquerque também seria mais um perdedor — apesar da sua óbvia vitória e muito provável continuidade no poder.

4 Aliás, a maior vitória do líder da coligação “Somos Madeira” foi ter alcançado um dos seus grandes objetivos: o isolamento político do Chega — que só não é mais significativo por razões que veremos mais à frente.

Não só André Ventura apostou muito nas eleições regionais da Madeira, como também conseguiu crescer de 619 votos (uns irrisórios 0,43% do escrutínio) em 2019 para uns significativos 12.028 votos (8,88% do total). Mas, ironia das ironias, os 619 votos de 2019 são politicamente quase tão irrelevantes quanto os 12 mil votos de 2023.

Tudo porque a coligação do PSD/CDS não precisa do Chega para nada. Apesar da subida exponencial da votação do partido de André Ventura, a maioria absoluta pode ser feita ou com o deputado do PAN ou com o deputado da Iniciativa Liberal ou até com os dois.

A lição a retirar é simples: quando os líderes do centro-direita são claros na rejeição de uma coligação com o Chega, como Miguel Albuquerque foi com o eleitorado madeirense, essa clareza pode significar o isolamento do partido de Ventura.

Segunda ironia a constatar: aqueles que defendem que o centro-direita não se pode coligar com o Chega, são os primeiros a desvalorizar esse facto, preferindo concentrar o foco numa imaginária derrota de Albuquerque.

5 As notícias que chegam da Madeira indicam claramente que a coligação PSD/CDS prefere um acordo com o PAN — deixando a Iniciativa Liberal (IL) de lado. Para já, é importante destacar que mesmo essa possibilidade de PSD, CDS e IL protagonizarem uma solução de Governo também foi criticada por alguns, com Pacheco Pereira à cabeça.

Segundo estas luminárias que se posicionam mais à esquerda (com destaque para Pacheco Pereira), haverá aqui uma contradição ideológica da IL entrar um Governo regional que é estatizante por natureza e princípio económico.

Já não basta o centro-direita não poder fazer coligação com o Chega — é proibido. Agora o PSD e o CDS também não podem fazer coligação com a IL porque a economia madeirense depende essencialmente dos apoios públicos do Governo regional e do Governo da República.

Para estas cabeças bem pensantes a realidade é estática e obviamente que não podem ocorrer mudanças. A IL não pode ajudar a construir políticas públicas que diminuam o peso do Estado, nem o pluralismo de outras ideias da coligação entre o PSD/CDS e a IL podem ser discutidas?

É mesmo caso para dizer que o Chega é mesmo um seguro de vida para o PS se eternizar no poder e mais uma vez se prova que a ideia do cordão sanitário à volta de Ventura exigida pela esquerda tem a intenção de prolongar a permanência do PS no poder até à eternidade. E que, se fosse possível, também juntariam a IL ao Chega para tornar essa utopia em algo mais palpável.

6Tal como o Observador noticiou, parece que o PSD Madeira preferirá o PAN por razões meramente pessoais e até já terá fechado um acordo de incidência parlamentar. Miguel Albuquerque e o seu núcleo duro na coligação não confiarão pessoalmente no líder da IL, visto que Nuno Morna é um ex-militante centrista. Um argumento tão paroquial que não merece grandes comentários…

O que interessa em termos nacionais é simples: ao não concretizarem uma aliança pós-eleitoral, o PSD, o CDS e a IL estão a perder uma oportunidade de ouro para mostrarem que os votos no Chega não valem absolutamente nada e que é possível isolar Ventura em termos eleitorais.

O que é uma pena. Essa incapacidade das lideranças madeirenses do centro-direita de perceberem o papel histórico que poderiam vir a ter, representa um balão de oxigénio que irá dar fôlego a André Ventura para continuar com as suas habituais diatribes de melhor aliado do PS. Como se viu, uma vez mais, durante o debate da moção de censura ao Governo Costa na Assembleia da República.

7 Quanto a Luís Montenegro, parece-me claro que fez mal em quebrar uma regra histórica de as lideranças nacionais do PSD não se envolverem em excesso na campanha das eleições regionais. Há razões históricas para esse afastamento e as mesmas deveriam ter sido respeitadas.

Luís Montenegro optou por violar essa regra não escrita. Mas daí até ser considerado co-responsável por uma eventual derrota (que não existiu) da coligação “Somos Madeira” vai um longo caminho.

Uma das vantagens da noite eleitoral foi ouvir Montenegro a prometer que nunca promoverá uma coligação eleitoral pré e pós-eleitoral com o Chega. Mais claro é impossível.

Tal declaração política da maior relevância chegou tarde, muito tempo depois de algumas hesitações, mas chegou. É o que interessa. Veremos se Luís Montenegro tem condições para manter a sua palavra nas legislativas de 2026. A realidade é o que é e ainda pode ser obrigado a alguma pirueta política.

Texto alterado às 10h42