Cavaco Silva ganhou umas eleições com maioria relativa (mais de 1 milhão e 700 mil votos), duas com maioria absoluta (a primeira com mais de 2 milhões e 800 mil votos, a segunda com mais de 2 milhões e 900 mil), perdeu uma eleição presidencial com mais de 2 milhões e 500 mil votos (mais do que teve Marcelo Rebelo de Sousa em 2016 e 2021), depois do desgaste de 10 anos como Primeiro-ministro, e ganhou duas eleições presidenciais à primeira volta (a primeira com mais de 2 milhões e 700 mil votos, a segunda com mais de 2 milhões e 200 mil votos). As «elites» portuguesas continuam sem o compreender e, pior, sem perceber como tais resultados foram possíveis, pelo que só concebem que os portugueses foram enganados sucessivas vezes.

Nunca compreenderam, talvez por algum certo tipo de distanciamento social e, nalguns casos, higiénico, da realidade dos seus concidadãos, que Cavaco foi, para o bem e para o mal, o mais português dos líderes políticos das últimas décadas. Foi quem, até por razões e circunstâncias pessoais, melhor compreendeu as aspirações que eram mais comuns entre os portugueses nas épocas em que reinou e soube corresponder-lhes. Tal como soube ler a nossa fraca apetência pela liberdade individual e o nosso apreço por lideranças paternalistas e pela mão autoritária mão do Estado, e fez uso dele.

O país que, apesar de tudo, deixou depois dos 10 anos em que chefiou o Governo era melhor do que aquele que encontrou. Muita coisa será discutível, mas este é um facto. Outra coisa são opiniões, e a minha é esta: apesar do que Portugal mudou para melhor com Cavaco, tenho como certo que era possível ter feito muito mais e muito melhor. E outro facto é que, na verdade, depois dele ninguém logrou sequer fazer o mesmo. A nossa maior desgraça é essa: o nosso padrão de excelência em termos de desenvolvimento é o cavaquismo.

António Costa, depois de uma longa carreira de deputado, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, ministro dos Assuntos Parlamentares, ministro da Justiça, ministro da Administração Interna, autarca aqui e ali, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, tornou-se primeiro-ministro depois de ter menos 200 mil votos que a força política que ficou à sua frente.

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De forma absolutamente legítima, deitou para o lixo todo o legado político do Partido Socialista, deu a mão ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda, duas forças políticas de natureza anti-democrática (mesmo que, pela força da História, conformadas com o jogo democrático) e ali foi ele por essa estrada fora. Antes de se tornar Primeiro-ministro, o último Governo que tinha apoiado levou o país à bancarrota, deixou funcionários públicos e pensionistas praticamente sem dinheiro no bolso e semeou por esse Portugal um caos de casos judiciais e suspeitas de corrupção.

Feito primeiro-ministro, foi navegando à bolina, abençoado pela famosa direita mais estúpida do mundo, colhendo os frutos de um contexto internacional favorável e, mesmo assim, ficando sempre abaixo do que lhe seria ordenado num país que fosse dotado de uma sociedade civil exigente, livre e aberta.

Costa não é Cavaco – é um príncipe da clique pardacenta e meio saloia que Lisboa produz e a que o resto do país chama «elite». Mas também ele sabe ler, como poucos, o espírito nacional do seu tempo. Costa, como Cavaco, também soube compreender a necessidade de ter o funcionalismo público e os pensionistas do seu lado como forma de consolidação do poder. E também Costa encaixou como uma luva no país apreciador de lideranças paternalistas, para quem as boas intenções bastam, sem cultura de avaliação e, por isso, sem capacidade para julgar objectivamente resultados obtidos; com um défice de ambição tremendo e semi-adormecido nas suas aspirações individuais e colectivas.

A isto, António Costa soma, ainda, a falta de visão estratégica e política nacional: quando se lembrou que era preciso ter uma visão para o país, encomendou o serviço em outsourcing, ao novo Ministro da Economia, também ele, não obstante os seus méritos empresariais e académicos, um alto representante da velha arte do lero-lero nacional. E lembrou-se agora, depois de 6 anos a governar, que está preocupado com o futuro do país – porque o futuro do próprio nunca deixou de estar bem visível. Em 2026 se verá e nessa altura faremos contas. Uma coisa é certa: se as promessas não forem cumpridas, foi porque não foi possível; se o país estiver na mesma ou pior, foi por causa da conjuntura internacional, seja ela qual for. A responsabilidade nunca será de quem governa se quem governar for o PS.

Resta, pois, saber o que pensa fazer a direita para ganhar o país em 2026: se esperar que o poder lhe caia no colo, se rezar a todos os santinhos para que este país semi-adormecido não dê nova maioria aos socialistas. E, sobretudo, o que quer para o país em 2030 e 2034. Até às próximas legislativas, creio, sobram 3 missões para evitar novo descalabro.

1 A vitória na batalha cultural. Não naquela que a esquerda tem imposto e a que a direita vai respondendo, de forma pavloviana, radical e às vezes quase grotesca. A guerra cultural necessária não se trava com a esquerda nos temas que esta impõe ao debate público; faz-se, sim, no combate pelo desenvolvimento cultural do país, nas mentalidades, na impressão vincada de uma cultura de mérito, de excelência, de ambição, na defesa pública de uma sociedade aberta e livre que exige para si os meios essenciais ao cumprimento dos seus objectivos individuais de vida. A guerra cultural faz-se na insistência num discurso que fala de futuro e não de políticas inamovíveis – mais ou menos aquilo em que se tornou o PS – tendo a inteligência de não o fazer contra sectores concretos da sociedade. Na academia, nas empresas, nas artes, no desporto, não faltam nomes capazes de dar corpo a uma cultura de progresso social que possa transfigurar o país e recentrá-lo. Temas como os cuidados a idosos, a possibilidade financeira de ter mais do que um filho, a criação de uma cultura de partilha de responsabilidades familiares entre homens e mulheres que permita reduzir desigualdades, são causas mais ou menos evidentes que ainda podem não ser usurpadas pela esquerda radical.

2 Uma estratégia diferente. As grandes vitórias eleitorais da direita, na nossa democracia, não decorreram de votos ideológicos, mas de voto útil. A única lógica possível, nesse contexto, é o de concentrar numa força eleitoral todas as tendências, por forma a que a alternativa ao PS, em termos de voto, seja apenas uma e não várias. É natural, tendo em conta o contexto actual, que todos os partidos queiram ir às eleições europeias de forma isolada. Mas não há outra missão patriótica possível: os partidos devem ter a inteligência e o desprendimento necessários a compreender que, independentemente do resultado que tiverem para o Parlamento Europeu, devem trabalhar em conjunto na construção de uma grande coligação, que inclua individualidades de várias correntes, do centro-esquerda à direita, que possam fazer com que os eleitores que tendencialmente votarão em alternativas de cariz mais populista ou radical se sintam tentados pelo voto útil. O PSD, a IL, o CDS e outros partidos extra-parlamentares, como o Aliança, do MPT ou o RIR, podem e devem construir um programa e uma força conjunta de alternativa ao poder do PS (e podem até aproveitar os resultados das europeias para decidir desde logo a distribuição proporcional de lugares e candidaturas). Não há outra solução: federar, federar, federar. Porque os partidos não são estanques, nem os seus militantes estão ligados por laços de sangue; os partidos são instrumentos de acção política. A única acção política possível é derrotar o PS. E o resultado político pretendido tem de ser muito claro: um programa pragmático e orientado para os resultados objectivos na vida dos portugueses que se pretendem alcançar em 2030 e 2034.

3 A vitória nos recursos humanos. O PS chegará a 2026 com 10 anos de vícios governativos e com uma geração política nascida no coração dos pequenos lugares do Estado e do partido, tornada adulta fechada nos corredores dos ministérios e, por isso mesmo, naturalmente desgastada. A direita, federando-se, tem o dever de aproveitar os seus melhores activos, mas também de procurar activamente quadros apartidários de elevada capacidade técnica e política – que os há, não duvido. Os novos rostos da nova direita não deverão ser, como tantas vezes se faz, os velhos rostos ou rostos novos que não são menos velhos em vícios e desgastes partidários internos, mas efectivamente novos. E suficientemente abrangentes ideologicamente para dar seguimento a uma estratégia federativa. José Miguel Júdice escreveu, em 1980, que o eleitorado da AD era atraído, nuns casos pelo perfil «conservador-progressista à maneira gaullista de Sá Carneiro», noutros pelo «perfil neoliberal de Lucas Pires», e mesmo pelo perfil de natureza mais social de Amaro da Costa ou de outros perfis como os de Medeiros Ferreira, Sousa Tavares ou Ribeiro Telles. Interessava muito pouco que o PPM valesse menos de 1% nas urnas desde que o capital político emprestado por Ribeiro Telles fosse valioso – e era. Acontece o mesmo com os actuais partidos extra-parlamentares, que têm gente, ao contrário do que se julga, capaz de emprestar a um projecto político várias vertentes essenciais à sua construção: de cariz social, ecologista, conservador, etc.

Luís Montenegro será em breve formalmente presidente do PSD – os velhos e desgastados partidos, estruturalmente enfraquecidos, lá vão sobrevivendo. As tarefas do novo líder, se quiser ser mais do que mais um chefe de uma banda desajeitada, não passam por unir o partido, por gerir os pequenos poderes dos social-democratas ou mesmo por uma vitória nas europeias. O sucesso de Montenegro será medido em função do novo capital político que for capaz de oferecer à direita sociológica portuguesa rumo a 2026 – com o objectivo fixado em 2034. Pode até ganhar eleições, mas isso de pouco serve se não construir nada de novo e relevante, se o país não mudar para melhor consigo. Espero que não, mas provavelmente falhará.