Exmos. Senhores Líderes Partidários

Permitam-me esta carta aberta dirigida a V. Exas. que a breve trecho levarão o Vosso partido a formar o Governo da nação ou a ocupar o lugar da oposição na Assembleia da República.

Esta carta aberta tem o intuito de fazer reflectir e alertar o poder político sobre a classe de enfermagem, profissão de desgaste rápido, sua carreira, remunerações e importância no seio das equipas de saúde, seja no Serviço Nacional de Saúde (SNS), no privado ou no social.

No final da legislatura passada, o governo socialista, unilateralmente, aprovou uma Carreira Especial de Enfermagem (DL 71/2019 de 27/05, que alterou o regime da Carreira Especial de Enfermagem e o Regime da Carreira de Enfermagem nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde). A dita “Carreira”, que apenas introduz pequenas alterações à anterior, continua a ser redutora, não satisfaz, não traz valorização aos enfermeiros e, ainda por cima, não dignifica nem a própria carreira, nem a profissão. Através dela os enfermeiros sofrem a mais injusta e agressiva desvalorização remuneratória, profissional e até social. Para além disso, não dá resposta às inúmeras reivindicações dos enfermeiros, prejudicando até as necessidades do SNS. Hoje os Enfermeiros têm uma carreira em “escombros”, que foi demolida por um anterior governo socialista (2009). Portanto os governos socialistas não gostam, não apoiam, nem valorizam os enfermeiros!

Apesar de o Dec.-Lei 71/2019 vir repor novamente a categoria de Enfermeiro Especialista, e voltar a ser uma carreira tricategorial, encontramos ainda muitos constrangimentos desta “castradora” Carreira de Enfermagem:

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  • Há claramente um condicionamento enorme na progressão para outras categorias;

  • Há, paralelamente, um constrangimento enorme para que possa acontecer uma valorização remuneratória;

  • A tabela salarial e remuneratória é desajustada à realidade, responsabilidade e habilitações profissionais e académicas que hoje os enfermeiros possuem, o que se traduz numa desmotivação e não valorização destes profissionais;

  • As grandes lacunas e desigualdades criadas, ou melhor, mantidas e continuadas, da diferenciação em Contrato Individual de Trabalho (CIT) e Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), infelizmente estão bem presentes;

  • A contagem de tempo de serviço e a forma preconizada é outro revés e constrangimento, traduzido em inúmeros obstáculos para uma efectiva progressão na Carreira de Enfermagem;

O exposto é apenas uma parte das inúmeras lacunas, iniquidades, obstáculos e desproporcional dificuldade que cria aos Enfermeiros Portugueses, face às reivindicações, reconhecimento e mérito e à real necessidade existente para bem do SNS. Assumam V. Exas. no início da próxima legislatura, com a celeridade que o assunto merece, a melhoria da nova Carreira de Enfermagem e a remuneração, estatuto de profissão de risco e desgaste rápido dos enfermeiros.

Na campanha eleitoral para as Legislativas 2019, todos os partidos estiveram ausentes e foram incapazes de chamar a si este assunto, que merecia melhor cuidado, estudo e acompanhamento político, face aos inúmeros protestos e manifestações de descontentamento que os enfermeiros protagonizaram, principalmente desde 2017 e, com isso, auscultar esta classe profissional e confrontar o governo da geringonça, com esta realidade. Apesar de missivas e alertas dos enfermeiros, o retorno foi zero!

Lembrar que o próprio SNS está em situação muito precária e calamitosa, quase de rotura. Eis o estado em que o Partido Socialista o colocou e deixou! Não podem V. Exas. ignorar que a governação do Partido Socialista, particularmente da sua ministra da Saúde, Drª Marta Temido, ostracizou os enfermeiros, anulou pontos de contagem de tempo para progressões e não abriu concursos para efectivar as promoções e progressões dos enfermeiros. Também todos os outros partidos com assento parlamentar penalizaram os enfermeiros, abstendo-se, não participando na votação ou votando ao lado do governo, sempre que algum diploma foi a votação no Parlamento, penalizando os enfermeiros! Esta é a realidade!

Aproveito esta carta aberta dirigida a V. Exas. para recordar que os enfermeiros são a maior classe profissional do SNS. Os enfermeiros merecem respeito e merecem ser valorizados pelo trabalho insubstituível que desenvolvem, veja-se a vacinação Covid-19, precisamente a cuidar de Pessoas que são Cidadãos e que estão fragilizados, doentes, quer seja nas camas dos hospitais, do social, do privado ou no próprio domicílio onde são prestados cuidados de saúde/enfermagem de muita qualidade, durante as 24 horas do dia e 365 dias por ano!

Lembrar V. Exas. que o SNS não é só constituído por hospitais. Inclui também cuidados primários (Centros de Saúde e Unidades Funcionais) que são a base e a porta de entrada para este serviço. Quem discutir sobre saúde e ignorar estas variáveis e os recursos humanos estará inevitavelmente num caminho errado e a enganar os portugueses.

Importa ler, com particular atenção, o último Relatório da OCDE 2021 – Health at a Glance 2021, onde as discrepâncias, para pior, entre Portugal e outros países da OCDE, são assustadora! No entanto Portugal é “exportador” de enfermeiros com qualidade e formação superior, precisamente para esses países europeus!

Infelizmente tem-se constatado que, nos debates em que todos os partidos participam sobre saúde ou SNS, persistem numa ignorância profunda sobre a existência dos enfermeiros, a sua importante coparticipação nas equipas multiprofissionais e o seu verdadeiro desempenho profissional, o que abarca e engloba neste desempenho. Carece o Vosso Partido de descer ao país real, avaliar e tomar conhecimento das situações que se vivem. Permitam-me a ousadia, mas a Vossa iliteracia sobre a classe de enfermagem é grande!

A partir deste momento não poderão mais V. Exas. argumentar que não foram alertados para a realidade em que vivem os enfermeiros nos seus variados serviços, da sua limitada e desajustada carreira, nas condições em que trabalham, as sobrelotações dos serviços e a falta do cumprimento das dotações seguras e rácios de snfermagem, pondo em perigo e segurança, quer os cidadãos doentes, quer os próprios profissionais.

Esperamos que, de forma isenta, mais informada e disponível, possam V. Exas. contribuir para a valorização dos enfermeiros, nas iniciativas governamentais ou parlamentares que possam surgir, em contraponto com as efémeras declarações políticas sobre esta classe profissional. Agora, o silêncio, a ignorância e a desvalorização que V. Exas. têm protagonizado não serão com certeza aceites e tolerados pelos enfermeiros!