Em Milão, Giorgio Armani teve, domingo, uma sala vazia para a sua colecção, na semana da moda. Os últimos dois dias do Carnaval de Veneza foram suspensos. Escolas, universidades, teatros, cinemas e jogos de futebol foram suspensos. Boa parte da região Norte de Itália, que contabiliza 30% da produção, está em quarentena. O governo italiano tomou medidas históricas. Além de recomendar que as pessoas não saiam de casa, impede a entrada ou saída de cerca de uma dúzia de localidades, avisando que existirão acções penais para quem desobedeça. O coronavírus chegou à Europa de forma violenta pela porta italiana. No domingo 23 de Fevereiro Roma identificava mais de cem pessoas infectadas, com a revelação de uma terceira morte ao fim do dia.

Foi um fim-de-semana em que acordámos para a dimensão que a tragédia pode assumir, com os casos de infecção a aumentarem rapidamente, não apenas em Itália, mas também na Coreia do Sul e no Irão. A Coreia do Sul declarou o estado de emergência máximo e a Turquia e o Paquistão fecharam as fronteiras com o Irão. Na China, o presidente Xi Jiping reconheceu que a epidemia terá efeitos económicos e sociais inevitáveis e comprometeu-se a ajustar as políticas públicas para atingir os objectivos.

Neste momento, temos a terceira maior economia da União Europeia, a Itália, e a maior (ou segunda, conforme os cálculos) economia do mundo, a China, que contribui com um terço do crescimento mundial, seriamente afectadas pela epidemia.  Itália está à beira da recessão, depois de o PIB do último trimestre de 2019 ter descido 0,3% relativamente ao período anterior.

Até agora, os investidores em geral e os economistas têm sido relativamente optimistas quanto aos efeitos do coronavírus. No início da semana passada a Apple, por exemplo, alertou os investidores que o coronavírus iria afectar negativamente as suas receitas no primeiro trimestre. A interrupção dos canais de distribuição, numa economia globalizada, esperava-se que fosse temporário. Como temporários seriam os efeitos no consumo, especialmente no sector das viagens, turismo e produtos de luxo. E tem sido com base nestas expectativas que os investidores têm actuado, pelo menos até agora, de que os efeitos serão temporários. A expectativa, pelo menos até agora, tem sido de um efeito limitado ao primeiro trimestre deste ano.

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Essa perspectiva pode ter de mudar, se considerarmos especialmente a surpresa que veio de Itália e da Coreia do Sul. O The Guardian citava um especialista que alerta para a possibilidade de estarmos a ultrapassar o ponto a partir do qual já não se consegue evitar que a epidemia se torne global.

Os ministros das Finanças do Grupo dos 20, reunidos em Riade, mantiveram um tom entre o prudente e o optimista, apontando para uma recuperação da economia mundial graças à política monetária e ao alívio das tensões comerciais. A directora-geral do FMI foi mais prudente.

O FMI projectou em Janeiro um crescimento mundial de 3,3% este ano, uma recuperação face aos 2,9% em 2019. Num cenário em que tudo volta ao normal no segundo trimestre do ano, a China crescerá 5,6% em vez de 6% e a economia mundial 3,2% em vez de 3,3%, conforme se pode ler neste comunicado do Fundo. “Todos estamos à espera de um perfil em V com uma recuperação rápida”, afirma a directora-geral do FMI Kristalina Georgieva. Mas, e eis o importante mas, “é prudente estarmos preparados para um cenário pior”.

Com a Zona Euro sem margem para usar a política monetária num cenário de agravamento das condições económicas e financeiras e com a Itália a ser violentamente contagiada pela epidemia numas das regiões de maior produção, as perspectivas parecem ter piorado neste fim-de-semana. Desvalorizado inicialmente pelas autoridades chinesas, desvalorizado até há pouco tempo por investidores e economistas, o Coronavírus pode ser o “cisne negro” que desencadeia a nova crise económica. Para Portugal não são, obviamente, boas notícias.