No passado dia 26 de Setembro, o Padre João J. Vila-Chã, SJ, publicou na sua página de uma rede social o seguinte texto: “Esta passada sexta-feira, no Congresso dos Estados Unidos da América, por uma margem de 219-211, os deputados do Partido Democrático, todos eles menos um, conseguiram a inacreditável façanha de legislar e fazer passar uma nova lei federal do aborto, destinada a tornar este disponível em todos os Estados, até ao final da gestação, e a proibir que crianças que resistam aos procedimentos abortivos, terríveis como são, sejam impedidas de receber assistência médica de espécie alguma.”

O Congresso dos Estados Unidos da América, não satisfeito com a legalização do homicídio dos nascituros, promove agora, abertamente, o infanticídio, não só porque um ser humano, depois dos nove meses de gestação, é já, em termos científicos embora não legais, uma criança, mas também porque a câmara dos representantes se propõe, através de uma lei federal, proibir que, aos nascituros que sobrevivam à ‘interrupção voluntária da gravidez’, seja dada assistência médica. Ao equiparar o aborto ao infanticídio, o Congresso dos EUA deixa claro que, na realidade, são crimes sinónimos: a morte provocada do nascituro em qualquer momento da gestação é, de facto, um infanticídio.

Não é a primeira vez que estes dois actos são equiparados, porque o Concílio Vaticano II já o tinha feito: “Deus, Senhor da vida, confiou aos homens a insigne missão de proteger a vida, missão que deve ser desempenhada de um modo digno do homem. Portanto, a vida deve ser defendida, com o máximo cuidado, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis” (Gaudium et Spes, nº 51).

“Se isto não é o triunfo da BARBÁRIE” – escreveu ainda o Padre João J. Vila-Chã, SJ – “ou do barbarismo deliberado e consentido ao mais alto nível da representação política num país tão crucial para o futuro do chamado Ocidente, este a que pertencemos, como são os Estados Unidos da América, então, por favor, definam-me o que seja a barbárie, o desprezo do sentimento ético mais radical, a mais flagrante, pois imoral, resistência aos ditames da razão e da ciência minimamente sensata e ao serviço de finalidades tão fundamentais como a justiça, a decência humana, e, claro, a autoconservação da humanidade, como projeto não dependente da arbitrariedade de quem é incapaz de pensar, não sabe o que seja a responsabilidade, padece da forma mais grotesca que posso imaginar de preconceitos contra a dignidade humana em todas as suas formas”.

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É terrível que os Estados Unidos da América sejam responsáveis por este dramático holocausto silencioso, mas mais lamentável é ainda que, como também escreveu o referido jesuíta, alguns ‘católicos’ se tenham prestado a promover o que o Concílio Vaticano II definiu como “crimes abomináveis”: “ver Nancy Pelosi, a ‘speaker’ da Câmara dos Representantes, forçar, no final da contagem dos votos, um sorriso de autossatisfação mediática, mas absolutamente obscena, deixou-me, naquele momento, apenas com vontade de vomitar. Pelo menos, felicito os Republicanos, e o único deputado Democrata que resistiu à pressão da manada socialista no país, que, ao que sei se mantiveram todos unidos na resistência ao que me soa já como uma forma especialmente engrandecida do que seja o Mal Absoluto, ou seja, do mal que, simplesmente, se dedica ao assassínio dos mais inocentes entre os inocentes. Naturalmente, fica a esperança de que no Senado esta nova lei, iníqua e vergonhosa, simplesmente, não passe. E se me voltarem a dizer que Joe Biden, o Presidente, ou Mrs. Pelosi, a ‘speaker’, são católicos, acreditem que lhes digo uma coisa só: vão para o diabo que os carregue! Dito isto, uma coisa mais ainda faço: apelar à resistência, efetiva e afetiva, contra a galopante destruição política da ética e da moral, o eixo maior, e mais delicado, da civilização humana no seu todo”.

É, certamente, gravíssima a culpa dos que, consciente e voluntariamente, assassinam crianças já nascidas ou por nascer, sejam eles progenitores, profissionais da saúde ou políticos. Mas não é menor a responsabilidade moral dos que, conhecendo este horror, o toleram, senão com a sua aprovação ou voto, pelo menos com a sua omissão e o seu silêncio. Porque, ‘quem cala, consente’.

Ante este holocausto silencioso de muitos milhões de seres humanos, a Igreja não é indiferente. A defesa da vida, desde o seu início e até ao seu fim natural, é uma exigência que obriga gravemente todos os cristãos, sem excepção. Como recordou o Papa Francisco, na conferência de imprensa do passado dia 15 de Setembro, a bordo do avião em que regressou a Roma, depois da sua visita à Hungria e à Eslováquia, o aborto “mais do que um problema, é um homicídio. Sem meias palavras, quem faz um aborto, mata”. Francisco reafirmou o princípio da inviolabilidade da vida humana: “Esta vida humana deve ser respeitada e este princípio é tão claro! Para aqueles que não conseguem entender, eu faria esta pergunta: é correcto matar uma vida humana para resolver um problema?” (Ecclesia, 15-9-21).

Dizer-se cristão e defender o aborto, o infanticídio ou a eutanásia, não é apenas uma divergência ou dissidência, mas uma revoltante hipocrisia. É necessário que os pastores tenham a coragem de denunciar os lobos que se escondem sob a aparência de ovelhas: os defensores da cultura da morte não são cristãos. Não basta não ser pró-aborto, nem pró-eutanásia, porque também os tíbios em relação à vida são dignos de reprovação: “Conheço as tuas obras, que não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente, mas porque és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te da minha boca” (Ap 3, 15-16).

Em Portugal, a defesa da vida está na ordem do dia, não só porque a Assembleia da República se propõe legalizar a eutanásia, mas também porque no parlamento já deram entrada dois projectos de lei que pretendem alargar, para 16 semanas, o prazo para o aborto livre. Também por este motivo, este ano é de redobrada importância a participação na Caminhada pela Vida, que hoje terá lugar, em simultâneo, em dez cidades do país: Aveiro, Braga, Coimbra, Évora, Funchal, Guarda, Lisboa, Porto, Santarém e Viseu.

Os que são fiéis ao Evangelho da vida, na feliz expressão de São João Paulo II, sofrem agora perseguições, porque se pretende proclamar o aborto e o infanticídio como direitos humanos, para que não haja lugar para a objecção de consciência. Os defensores da cultura da morte querem também criminalizar as acções pró-vida, equiparando-as ao discurso de ódio. Nada de novo porque, no último livro da Bíblia, já se previa esta contradição apocalíptica: “Conheço a tua tribulação e (…) que és caluniado por aqueles que (…) são uma sinagoga de Satanás. Não temas nada do que terás de sofrer. Eis que o demónio fará meter na prisão alguns de vós, a fim de serdes provados (…). Sê fiel até à morte, e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2, 9-10).