O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa saiu de quarentena para colocar o país de quarentena. A minha costela liberal começou por reagir mal, não gosto que limitem as nossas liberdades nem que aumentem o poder arbitrário do governo. Depois percebi que era inevitável. É fundamental fazer tudo o que for necessário para evitar que se repita em Portugal o que se passa em Itália e em Espanha.
Mas emergência significa emergência, e não o novo normal. Todos nós conhecemos as tentações do aumento de poder por parte de quem está no governo. Não faltam exemplos na história da Europa e de Portugal quando situações de excepção levaram a regimes autoritários. Aliás, essa tende a ser a regra. Estou seguro que as intenções do Presidente e do PM são as melhores. Mas as democracias não podem depender das boas intenções dos líderes. Além disso, em Portugal existem algumas pulsões autoritárias preocupantes, e os socialistas já mostraram no passado que não são imunes a essas tentações. No caso das liberdades individuais, com o PS no governo todo o cuidado se justifica.
Fiquei espantado, quase boquiaberto, quando ouvi Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso, garantir “que não haverá mentiras”, e António Costa, na declaração de sexta feira, afirmar “toda a verdade será contada.” É muito preocupante para a nossa confiança no regime quando o Presidente e o PM sentem a necessidade de declarar aos portugueses, em tempos de emergência, que não vão mentir e vão dizer a verdade. Parece que, em tempos normais, a regra é mentir e não dizer a verdade. Mas agora, em tempos de excepção, vão mudar. A política portuguesa por vezes parece um delírio. É por isso que nos devemos preocupar com as nossas liberdades e direitos.
Estou, além do mais, convencido que caminhamos rapidamente para um governo de unidade nacional entre o PS e o PSD, ao qual Marcelo Rebelo de Sousa abriu a porta com o estado de emergência. A situação económica, depois da crise do Covid-19, não permitirá a um governo minoritário governar em condições. E também será impossível para Costa contar com o apoio do PCP e do Bloco. As extremas esquerdas não podem apoiar um governo que esteja obrigado a tomas as medidas necessárias para a economia recuperar o mais depressa possível. No actual parlamento, a única maioria possível com o país em recessão será entre o PS e o PSD. Rio não vai resistir ao “dever nacional”, nem sei se o deseja. Haverá seguramente uma aliança entre os socialistas e os sociais democratas, resta saber se será um governo de bloco central ou apenas uma coligação parlamentar. Quando isso acontecer, o PSD dificilmente estará na linha da frente pela garantia da liberdade.
Terão que ser os cidadãos portugueses que amam a liberdade e que não querem viver sem ela, a liderar a luta pela reposição de todas as liberdades e direitos. Estou a pensar em particular no direito à privacidade e na liberdade de comportamentos e consumo. Já há quem fale numa segunda vaga de epidemia no próximo Inverno. Esse argumento, por mais suporte científico que receba, não pode ser invocado para impor regras que violem a nossa privacidade, controlando por exemplo alguns dos nossos movimentos, ou que nos imponham limites aos nossos comportamentos, com a explicação, que podem ameaçar a saúde pública, ou ao consumo privado. O Covid-19 não se pode tornar numa justificação para impor aos portugueses um ‘modo de vida socialmente correcto.’
PS: Fiquei surpreendido com a notícia de que os rolos de papel higiénico tenham esgotado mais depressa dos que os sabonetes. Espero que não seja um sinal dos hábitos dos portugueses.