Ouvimos tantas vezes e, porventura até o diremos, que o frio é psicológico, que a dor é psicológica… como resposta ou comentário a coisas pouco concretas e às quais sentimos necessidade de contrapor relativizando-as. Procuramos ganhar tempo para as enfrentar ou sacudir as sensações que elas nos evocam.

Foi assim que conheci o Luís [nome fictício], um jovem estudante de ensino superior nos seus 26 anos e 8 matrículas de curso, que procurava de forma só aparentemente ligeira, significar o tempo que passou desde que veio para a cidade estudar por incentivo dos pais até que se isolou em casa, fechando-se aos dias e ao mundo a jogar no computador.

Esguio, de rosto pálido, olhar sem brilho e com um sorriso imotivado colado nos lábios dizia-me respirando fundo que “o tempo é psicológico!”. Já não conhecia ninguém na sua Universidade: os colegas, entretanto foram terminando os cursos e partindo; o bairro onde residia continuava tão estranho como no primeiro dia e a namorada do secundário há muito que o havia deixado.

Estava sozinho e só. Apenas jogar pela noite dentro preenchia aquele enorme vazio que o tempo arrastava e a pegajosa sensação de não ter vontade de fazer coisa alguma. Na verdade, tentava calar aquela voz interior que o derrotava logo que acordava, que o fazia crer incapaz do que quer que fosse. Sim, não podia pensar pior acerca de si mesmo!

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Nunca fora muito de sair e de grupos, contava-me, e apesar de toda a insistência da mãe para que socializasse e que lhe dizia repetidamente “vai ter com os teus primos que andam sempre a perguntar por ti. Só te interessas pelo computador e pela namorada!…” a saída de casa para longe com a mudança para a Universidade foram um choque com que não soube lidar. “Devia ter falado mais com os meus colegas e aceite os convites que me faziam, mas com as aulas e a matéria a mil que não conseguia acompanhar, só queria fechar-me no quarto e esquecer tudo. Comecei a jogar cada vez mais pela noite dentro e a dormir de dia. Ando todo trocado, mas o silêncio da noite reconforta-me e não tenho forças para lutar…”

A depressão é uma doença mental que afecta todos os anos mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo (OMS, 2017) e em Portugal cerca de 400.000 com mais de 18 anos. Entre os sintomas mais frequentes encontram-se a fadiga e baixo nível de energia, a perda de interesse em actividades que antes eram prazerosas, o humor persistentemente triste, irritável ou de tédio, alterações do sono e do apetite com perda ou ganho de peso, isolamento social, dificuldade em tomar decisões ou problemas físicos como dores de cabeça ou queixas digestivas.

Hoje, o Luís sabe que estar triste é diferente de estar deprimido e que a depressão tem tratamento, o qual se encontra a realizar com consultas semanais depois de ter regressado a casa dos pais. “Tinha muito medo de os desiludir, da reacção deles quando lhes contasse que não fiz nada no curso e que menti” – desabafa.

Passo a passo, com ajuda profissional, vai-se libertando do peso que traz com ele, das amarguras por não ter conseguido fazer melhor e aprendendo outras formas de resolver os seus problemas. Nas consultas, é escutado, compreendido e num ambiente de não julgamento é incentivado a explorar alternativas que progressivamente coloca em prática. Com esta ajuda, o Luís começa a perceber a sua forma de olhar para o mundo, o seu próprio funcionamento e as suas atitudes e reacções ganhando uma maior consciência de si mesmo e com isso um maior controlo.

Foi fundamental que um dos primos tivesse insistido com ele para pedir ajuda quando o encontrou numa festa de família, alheado de todos como sempre, a fazer zapping. Mais recentemente, ficou claro para o Luís que fazer exercício físico o ajudava a sentir-se mais bem-disposto e ainda que contrariado não tem faltado à corrida com os primos que o desafiam… Já não salta refeições e até começou a aprender a cozinhar para se alimentar melhor! Cuidadosamente, diz-me, planeia o seu regresso aos estudos decidido a manter o trabalho em part-time que, entretanto, arranjou.

Por vezes, acontecimentos de vida negativos marcantes podem espoletar reacções depressivas que se distinguem do estar triste pela intensidade, profundidade, prolongamento no tempo e impacto na vida do dia-a-dia. O “tempo” do Luís não volta para trás, psicológico ou não, mas é no aqui e agora que ele está a retomar o controlo sobre ele.

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira