O mês de Março ia a meio e entre o cerco de Kiev e os milhares de refugiados ucranianos que cruzavam as fronteiras da União Europeia, o Governo de Pedro Sánchez deu um “giro histórico” – nas letras do El Mundo – ao reconhecer o Saara Ocidental (território rico em ferro, petróleo e gás) como província Marroquina.

Assim, sem qualquer aviso prévio – incluindo ao seu Conselho de Ministros – contexto ou motivo aparentes, Pedro Sánchez ignorou a posição histórica do seu partido – o PSOE – e cerca de 50 anos de diplomacia espanhola sobre o Saara Ocidental e a auto-determinação do povo sarauí.

“¿Con qué derecho? ¿En qué programa electoral venía? ¿En qué parlamento lo ha discutido?”, perguntou Isabel Díaz Ayuso no Tweeter a 18 de Março de 2022.

As perguntas – pertinentes e necessárias em qualquer Democracia parlamentar – ficaram sem resposta até hoje. O programa eleitoral do PSOE não incluía uma posição diferente daquela mantida por Espanha até 17 de Março de 2022, e a questão foi simplesmente noticiada pelos jornais, sem que as Cortes tenham sido ouvidas sobre o tema. Ridículo ou não, nem o Unidas-Podemos – parceiro de coligação no Governo – sabia; facto aliás que criou mais um ponto de fricção dentro do Executivo espanhol.

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Madrid abandonou assim a sua posição histórica – partilhada pela ONU nos acordos de 1991 – que pedia um referendo sobre a independência do Saara Ocidental, e passou a alinhar com a posição defendida por Donald Trump (e confirmada meses mais tarde por Joe Biden) de que aquele pedaço de terra encravado entre o deserto e o mar é afinal parte do território de Marrocos.

Dias depois deste radicalismo diplomático, e aquando da visita a Argel do (ainda na altura) Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Augusto Santos Silva, a Argélia classificou o “giro” de Pedro Sánchez como uma traição histórica e prometeu retaliar.

Passados três meses, Pedro Sánchez apareceu nas Cortes a defender a sua posição e, horas mais tarde, Argel decidiu romper com o Tratado de Amistad y Cooperación assinado em 2002 e proibir todos os bancos argelinos de executarem e concluirem todas e quaisquer transacções comerciais com Madrid.

Em plena crise energética causada pela invasão Russa da Ucrânia, Espanha deixou de ser um país amigo de Argélia e Pedro Sánchez colocou assim em causa cerca EUR 2.000 milhões de exportações espanholas – dados do ICEX relativos a 2020 – e, mais grave, o próprio abastecimento de gás – segundo dados do ICEX, entre Janeiro e Agosto de 2021, 47% do gás importado por Espanha foi vendido pela Argélia.

Sabendo que o Saara Ocidental é uma zona disputada – há mais de 40 anos – entre Marrocos e o Frente Polisario (apoiado pela Argélia), o que terá levado o Governo de Pedro Sánchez a mudar de posição, depois de anos a defender um referendo sobre a independência daquele território? Terá Marrocos utilizado a carta dos milhares de potenciais refugiados e migrantes que poderiam “saltar as cercas” de Ceuta e Melilha e pisar território espanhol? Qual é a relação entre o caso Pegasus – que entretanto já fez rolar a cabeça da ex-Directora dos Serviços Secretos espanhóis, Paz Esteban – que envolveu o roubo de dados do telefone de Pedro Sánchez e o reino de Marrocos? Será que o Presidente do Governo espanhol foi alvo de chantagem por parte de Rabat? – González Pons do PP já veio pedir esclarecimentos. Mais, como se explica que Pedro Sánchez alinhe com Rabat, capital que pela boca de Saadeddine El Othmani, antigo Primeiro Ministro marroquino, não reconhece a soberania espanhola de Ceuta e Melilha e ameaça com uma nova marcha verde a fazer lembrar 1975? Qual foi o papel da Adminstração Biden nesta questão?

No meio do terramoto, a União Europeia apela ao diálogo e ao restabelecimento das relações comerciais entre Espanha e a Argélia. O PP já anunciou que caso vença as legislativas de 2023 reverterá a posisão adoptada por Pedro Sánchez. E Marrocos, país que em Maio de 2021, e no seguimento do acolhimento por parte de Espanha do líder do Frente Polisario, Brahim Gali, mandou retirar a sua embaixadora em Madrid, Karima Benyaich, continua em silêncio enquanto assiste à humilhação diplomática de Madrid.

Ora, a inabilidade política de Pedro Sánchez – o homem que só deixa que fotografem o seu lado direito e que será a “estrela” do seu próprio reality show televisivo entitulado “En la Moncloa” – já não surpreende ninguém. A novidade é que a política externa e a diplomacia espanholas são hoje feitas de joelhos e aos pés de Marrocos.