A fazer fé no anúncio de Belém, o governo será formalmente demitido depois de amanhã, deduzindo-se que, a partir daí, ministros e “ajudantes” se limitarão aos actos de gestão corrente, sem decidirem sobre grandes projectos futuros, tais como a localização do novo aeroporto de Lisboa, a privatização da TAP ou o lançamento do TGV, cuja urgência não se coloca.

A questão está longe de ser académica, porquanto não faltam sinais de que, a prolongar-se o período intercalar decidido por Marcelo para que ficasse aprovado o Orçamento de Estado (e dando tempo ao PS para se recompor da demissão de António Costa), o ritmo legiferante do Conselho de Ministros “ganhou asas” e sabe-se lá até onde iria o frenesim.

Nos últimos dias, por exemplo, e apesar de ser matéria delicada e controversa, o executivo demissionário decidiu, à guisa de despedida, mudar o símbolo oficial do governo da República, e, na passada, mandar “às malvas” a esfera armilar, os castelos e as quinas, em obediência “aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada”, como é explicado, sem se perceber bem a ladainha.

No meio da insólita apatia mediática, bem andou Helena Matos ao chamar a atenção, nestas colunas, para a natureza caricata da opção, agravada pela justificação para a nova identidade visual, “inclusiva, plural e laica”, segundo o “catecismo” em vigor.

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O certo é que o novo logotipo, embora mantenha as cores principais da Bandeira Nacional – o vermelho, o verde e o amarelo –, exibe uma alteração radical, introduzida à sorrelfa, para figurar em documentos oficiais e nos púlpitos montados para discursos ou conferências de imprensa de governantes.

Essa nova imagem mostra-se com um feitio mais geométrico, concebido por um gabinete de criativos, cuja façanha gráfica lhes valeu um contrato nada módico para o erário público, uma “bagatela” equivalente ao dinheiro vivo encontrado em S. Bento, escondido nas estantes do ex-chefe de gabinete de António Costa.

Com este ”restyling” de símbolos nacionais, conclui-se, sem surpresa, que o governo nem sequer cuidou de fundamentar, de uma forma minimamente convincente, a oportunidade e a necessidade de tal mudança gráfica.

Foi canhestro, impingindo uma retórica inspirada noutros jargões em voga, como a sustentabilidade, a igualdade do género, ou as alterações climáticas.

Vale a pena citar o texto “inclusivo” que pretende descodificar a bizarria, para ficarmos mais cientes dos delírios que tomaram conta de alguns artífices na secretaria geral da Presidência do Conselho de Ministros

Assegura-se na nota, não retirada, que “alinhamos o nosso percurso com a ambição de crescer enquanto marca, de vincar a nossa identidade – uma SGPCM moderna, próxima e aberta à comunidade”.

Quem o escreveu, decerto ufano por ter inventado a ”marca”, nem se apercebeu do ridículo parolo em que caiu, acrescentando-lhe outras variações bacocas em nome da tal “identidade visual“. A mediocridade quando alcança um poleiro torna-se atrevida.

Enfim, presume-se que este disparate venha a conhecer o mesmo destino da norma da proposta no Orçamento do Estado para 2024, que previa o agravamento do IUC para carros anteriores a 2007, outra ideia peregrina pelo qual se bateu, galhardamente, o ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, “chumbada” pela bancada socialista, numa cambalhota histórica.

Com a casa desarrumada e mal rodeado, bem se compreende que António Costa se tenha despedido “emocionado” dos deputados, ao subir pela ultima vez à tribuna do governo no parlamento, carpindo mágoas pelo seu infortúnio, que os fiéis pressurosamente atribuíram ao “estado de negação” de Belém, que não se comoveu com a alternativa de Mário Centeno, uma espécie de “evolução na continuidade” que o primeiro ministro demissionário levava no bolso.

Por essas e por outras, não admira que uma recente sondagem da Universidade Católica, com uma amostra mais alargada, tenha revelado que 75% dos inquiridos acham que o País está pior, ao mesmo tempo que a demissão do primeiro ministro é “aprovada” por 84% dos entrevistados. Uma avaliação desastrosa após oito anos consecutivos de governação socialista, entre a “geringonça” e a maioria absoluta.

Em vésperas de o PS escolher o sucessor de Costa, estes resultados são desanimadores, e não prometem vida fácil para quem vier a seguir, sobretudo se Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro insistirem em defender o ”legado” do líder quase deposto, como têm feito, em vez de se distanciarem de um governo que integraram, mas que, ressalvadas as poucas excepções, foi um dos mais medíocres pós 25 de Abril.

Claro que daqui até Março não faltarão as mais variadas sondagens “amigas” a atribuir vantagem ao PS sobre o PSD, e um crescimento constante do Chega para atormentar a liderança social-democrata.

Entretanto, com o PS dividido entre dois (ou três) candidatos à cadeira de Costa, o PSD parece ter percebido que a união interna “faz a força”, com o beneplácito de Cavaco Silva – certeiro e arrasador ao escrever sobre “a armadilha das contas certas” do PS – e o silêncio de Pedro Passos Coelho, logo explorado por quem não gosta de Montenegro.

Depois de surpreender o Congresso, Montenegro tem vindo a consolidar essa boa performance, ao longo de entrevistas em horário nobre nas televisões, nas quais se tem mostrado seguro, convicto e sem complexos em relação a Cavaco Silva ou a Passos Coelho – a quem, aliás, dirigiu fartos elogios numa dessas prestações, com argumentos que o PS não gosta de ouvir, lembrando que lhe coube a ingrata tarefa de recuperar o País da bancarrota em que o governo socialista de Sócrates o afundara.

Se não cometer deslizes – nem ficar refém da estratégia de desgaste que o PS e os partidos à sua esquerda já empreenderam –, Montenegro poderá aspirar, mais cedo do que previa, a trocar a oposição pelo governo, libertando o País da asfixia em que se encontra.

Por isso, é natural que Montenegro se tenha apresentado, já em modo de “candidato“ a primeiro ministro, no Conselho Estratégico Nacional do PSD, com lugar de honra reservado para Roberta Metsola, a presidente do Parlamento Europeu.

Terá de enfrentar, contudo, sem tibiezas, o governo de gestão, sempre que este exceda os limites que lhe são próprios e queira servir de “ferramenta eleitoral”, tanto ao acelerar benfeitorias que resultem em votos para o PS, como ao proceder ao lançamento de projectos com impacte mediático.

O PS dominou o poder durante tempo demais, quase sem oposição, tanto à esquerda como à direita. A “mexicanização” esteve à vista. Não se chegou, é verdade, ao “Portugal Amordaçado”, descrito no livro bestseller de Mário Soares, publicado em 1974, que vai ser reeditado para celebrar o seu centenário.

Mas, a pretexto do “discurso do ódio” e de outros “fetiches” semelhantes, houve tentativas sérias de impor nova “lei da rolha” em Portugal.

Basta lembrar uma proposta de lei socialista, debatida recentemente na Comissão de Assuntos Constitucionais, que introduzia, na prática, novas regras entendidas como limitadoras da liberdade de expressão e susceptíveis de corporizar formas de censura.

A ridícula mudança gráfica dos símbolos do governo da República, o sentimento de impunidade que alimentou muita corrupção, o estado degenerativo a que se chegou em vários sectores reflectem apenas o exercício de um poder absoluto, que só colapsou por excesso de arrogante autoconfiança e por ter tropeçado nas próprias pernas.

Se for eleito e formar governo, o PSD de Montenegro vai enfrentar uma rede complexa de cumplicidades de gente menor, que entrou e subiu na administração pública por favor de cartão partidário. E convirá, talvez, rever a experiência de Passos Coelho, quando este precisou de governar um País em crise, minado de compadrios sem grandes escrúpulos.

Resta saber se o eleitorado, por indiferença ou resignação, não se entregará a um preguiçoso “encolher de ombros”, por estar dependente do assistencialismo, e votando em nome de um “prato de lentilhas”…