Os resultados dos Açores foram perfeitos para AD. Arrisco dizer que foram melhores do que uma maioria absoluta. Estas afirmações, naturalmente, assentam numa premissa que, espero, as lideranças políticas da direita democrática consigam manter: com o Chega não existe, nem existirá, qualquer entendimento de governo ou de incidência parlamentar. Será possível, claro, a existência de acordos pontuais em medidas específicas, os quais, de resto, acontecem com todos os partidos da extrema-esquerda à extrema-direita.

No último Fora do Baralho critiquei de forma contundente Luís Montenegro e a sua decisão de passar a noite eleitoral nos Açores, na medida em que ficaria inevitavelmente associado ao que se passasse no arquipélago. À hora em que escrevo, o risco ainda não desapareceu. No entanto, todos os sinais indicam que a liderança nacional do PSD terá conseguido convencer José António Boleiro a manter o cordão sanitário ao Chega e, com isso, dar coerência à mensagem de firmeza que a liderança nacional da AD tem mantido nos últimos meses. A opção política de Montenegro parece ter dado frutos.

Face à firmeza da direita democrática em recusar qualquer acordo com o Chega, o ónus está agora do lado do PS. A liderança de Pedro Nuno Santos tem duas alternativas. Por um lado, pode escolher a radicalização, o aumento da polarização, o alimentar da ideia que o Chega é um problema único e exclusivo do PSD. Ao fazer esta escolha nos Açores, rejeitando a moção de confiança obrigatória para a tomada de posse do governo autonómico — o qual, diferentemente do governo da República, exige um voto de aprovação positivo pela Assembleia Regional –, a liderança do PS dará uma indicação muito clara sobre o destino que pretende para o país. Ao contrário da sua retórica de defesa da democracia e do legado de Abril, o PS de Pedro Nuno Santos colocará os interesses do partido acima dos interesses do país. Não seria de estranhar que seguisse esta estratégia, a qual, de resto, já funcionou de forma eficaz com António Costa.

Por outro lado, Pedro Nuno Santos tem a possibilidade reconhecer que a criação e manutenção de um cordão sanitário apenas poderá acontecer se houver um acordo tácito entre as elites de PS e PSD para garantir que, salvo uma maioria absoluta do Chega, que se antevê altamente improvável nos próximos anos, a extrema-direita não tem capacidade de poder. Para tal, bastará a existência de um acordo de cavalheiros em que o segundo partido mais votado deixa o partido que ganha uma maioria relativa governar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que fará o PS? Na noite eleitoral açoriana vimos já uma clivagem interna dentro dos socialistas, que espelha aquilo que o partido tem tentado rejeitar: a ideia de que a liderança de Pedro Nuno Santos é mais frentista e radical do que lideranças anteriores. Enquanto Sérgio Sousa Pinto, Francisco Assis ou Ana Gomes advogaram por uma solução que passasse pela viabilização do governo minoritário da AD nos Açores, vozes como Alexandra Leitão, Francisco César ou Pedro Nuno Santos recusaram liminarmente essa hipótese.

Pedro Nuno Santos fez declarações, no mínimo, curiosas ao abordar esta questão. No seu discurso, o líder do PS afirmou que “seria profundamente negativo para Portugal ter PS e PSD comprometidos com a mesma governação e depois por uma razão de ordem programática e ideológica. A visão que temos do PS é muito distante do PSD, não é compatível e nunca trairíamos o eleitorado PS. Estas declarações têm vários problemas. Em primeiro lugar, parecem confundir governos minoritários e governos de grande coligação, isto é, em que os dois maiores partidos de qualquer sistema se aliam. Em segundo lugar, o líder do PS parece ignorar que, ao longo da democracia Portuguesa, os governos minoritários foram a norma e não a excepção. De resto, até à maioria absoluta de José Sócrates em 2005, que tão boa memória nos deixou, o PS tinha sido governado em minoria, com a excepção da curta experiência de coligação com o CDS em 1978 e o Bloco Central entre 1983 e 1985.

Num livro sobre os governos minoritários em perspectiva comparada, editado por Bonnie Field e Shane Martin na Oxford University Press, as causas e consequências deste tipo de governo são examinadas em detalhe. Em primeiro lugar, e para clarificar a socialistas mais preocupados que pensam que estes governos são uma excentricidade da qual Montenegro se lembrou de repente, em média, na Dinamarca, Suécia, Noruega, Espanha e Nova Zelândia, 80.3 por cento dos governos são minoritários. Em segundo lugar, nos governos minoritários não existe qualquer amalgama de posições políticas. Existe uma distinção clara entre governo e oposição. O custo que decorre de um governo minoritário é aquilo que se chamam os custos de transacção, isto é, o tempo e os esforços que os membros do governo têm de fazer continuadamente para negociarem com a oposição cada elemento legislativo. Em terceiro lugar, como mostra Kaare Strøm no seu livro canónico sobre governos minoritários, estes podem ser mais inclusivos e eficientes, na medida em que o governo é obrigado a moderar as suas posições para negociar com a oposição. Há alguma destas características que seja negativa? De que forma governaram Mário Soares, António Guterres, José Sócrates no segundo mandato e, de resto, António Costa que, durante a Geringonça, precisou várias vezes da direita para matérias centrais, como a integração Europeia ou a política externa, sobre as quais o PS tem desentendimentos de fundo com a extrema-esquerda?

Por último, Pedro Nuno Santos parece ignorar que se os seus adversários tivessem adoptado a sua lógica polarizadora, o PS apenas teria governado em 2005 e em 2022. Em 1995 ou em 1999, por exemplo, António Guterres poderia ter feito governos minoritários com a extrema-esquerda. No entanto, nos anos conducentes à integração na moeda única, escolheu fazer aprovar orçamentos de estado com o PSD então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa. Na altura, o PCP estava ainda mais distante dos Socialistas moderados. Permaneceu o bom senso do centro.

O preço para manter o Chega fora de poder é, surpreendentemente, baixo. Basta que o PS se abstenha caso a AD fique em primeiro lugar nas eleições. O mesmo deve suceder caso o PS ganhe as eleições. A AD deve respeitar o resultar e deixar os Socialistas governar sem precisar de fazer alianças com esquerdistas radicais. Eu sei que “a trilateral, a treta liberal e as virtudes do centro”, para citar José Mário Branco, não estão na moda. No entanto, a escolha será entre isso e a gritaria estéril e de soluções fáceis dos extremos.