Passámos uma semana a temer que os detritos do foguetão Long March 5B pudessem acertar em terra firme. Quando a possibilidade abrangia uma face da dimensão entre o México e a Nova Zelândia, felizmente, acabaram por cair algures no mar das Maldivas, em pleno Oceano Índico.

É verdade que as probabilidades de um detrito espacial cair no mar são bastante maiores, considerando que 71% do planeta se encontra coberto por água. Não é a primeira vez que esta situação ocorre e, ao que parece, também não será a última. Aliás, não foi por acaso que, em 2011, a atriz e realizadora Julie Delpy parodiou a queda da estação espacial Skylab, há quase 31 anos, na perspetiva simultaneamente curiosa e ansiosa de um grupo de crianças francesas.

Mais uma vez surge, por isso, o debate sobre a responsabilidade dos Estados nesta matéria. E a NASA já fez saber que a China não terá cumprido os mínimos padrões relativamente ao controlo sobre os detritos espaciais sob sua responsabilidade, devendo garantir a segurança, estabilidade, proteção e sustentabilidade a longo prazo das suas atividades espaciais. O problema é que o Long March 5B é apenas o primeiro de um projeto que inclui mais 10 missões que se seguirão a esta, para transportar componentes adicionais para uma estação espacial. O que significa que vamos passar pelo mesmo nos próximos tempos.

Existe, de facto, uma convenção internacional, que entrou em vigor em 1972 e procura regular a matéria da responsabilidade dos estados por danos causados por objetos espaciais, em complemento ao famoso Tratado do Espaço Sideral, de 1967. Acresce que este é um tema que tem vindo a ganhar grande interesse na comunidade científica e jurídica, até mesmo em Portugal, que, não sendo conhecido pela sua grande atividade em matéria espacial, tem vindo a colaborar de forma crescente com os restantes parceiros europeus neste âmbito.

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No entanto, esta não é (nem pode ser) apenas uma questão de responsabilidade. Não está somente em causa saber quem é responsável pela queda de um determinado detrito espacial e, posteriormente, por prestar apoio ao Estado que sofreu com esse mesmo acidente. Isso não chega. O essencial é e tem de se evitar que tal aconteça.

Ficam as perguntas: Onde está a tecnologia que deveria permitir um regresso controlado destes detritos à Terra? Poderemos, em pleno século XXI, numa época em que a defesa dos direitos humanos, a proteção do ambiente e as alterações climáticas são preocupações universais, permitir que a corrida ao espaço esteja acima de tudo? Poderemos permitir que a eventual morte de seres humanos e a destruição de valores ambientais de forma irreversível seja uma inevitabilidade ao serviço de projetos espaciais?

Em pleno século XXI, possíveis desastres com a dimensão daquele que poderia ter ocorrido não se compensam nem se minimizam. Evitam-se a todo o custo.

É obrigação dos responsáveis políticos agir com urgência para que situações graves e irreversíveis com a envergadura que poderia ter tido a queda de um detrito como o do Long March 5B, não aconteçam. E a desculpa de um determinado Estado (como a China ou qualquer outro) querer ficar à frente na corrida da exploração espacial não é suficiente perante as consequências desastrosas (ou mesmo catastróficas) que tal possa vir a provocar.

Este será também o momento certo para agir na redução do crescimento descontrolado da quantidade detritos espaciais na órbita do nosso planeta. Isto porque, segundo a NASA, já há mais de 23 mil detritos com dimensão superior a 10 cm a circular em redor da Terra.

A União Europeia (UE), que também está na corrida espacial e assume uma estreita cooperação com a Agência Espacial Europeia, tem responsabilidades acrescidas relativamente a esta matéria. É urgente encontrar soluções alternativas a um planeta Terra embrulhado em detritos espaciais.

Fica a sugestão para que, no tempo que resta à Presidência Portuguesa do Conselho da UE, ainda se procure avançar com o debate sobre esta matéria. Para que, mais cedo ou mais tarde, não nos caia um foguetão em cima.