Começo, como preâmbulo, por congratular o nosso país. Devemos celebrar os sucessos portugueses que são reconhecidos e replicados no estrangeiro, e é bom ver que Trump e a sua trupe estão encantados com os nossos hábitos. Dou exemplos.

Nós por cá temos o exótico conceito de ‘inverdade’ para falar sonsamente de uma mentira. A conselheira de Trump, Kellyanne Conway, sem vergonha nem medo do ridículo, inspirou-se nas inovações lusas e cunhou o ainda mais ambicioso conceito de ‘factos alternativos’ para descrever as mentiras do press secretary de Trump na sua primeira conferência de imprensa. (Aqui ficam fotografias do momento do discurso presidencial de 2017, que corroboram o menor número de viagens no metro.)

Outro bom hábito português que Trump repescou (infinito orgulho!): as ameaças e o bullying aos jornalistas. Os insultos a José Rodrigues dos Santos, a sugestão de Gabriela Canavilhas da demissão da jornalista do Público, o sms de Costa. Tudo isto foi bem estudado por Trump, que se declara em guerra com a imprensa. Que, escusado dizer, precisamos desesperadamente que seja contra poder nos próximos anos.

Mais um. Admirando Costa no assassínio em série da língua portuguesa, Trump fala também algo que é só vagamente semelhante à língua inglesa. A sua especialidade é o uso de superlativos. Mega, ultra, gigantescamente, titanicamente bestiais quando se referem a si próprio, que Trump não consegue viver mais de dois minutos sem se auto-elogiar. Isto de ficar à espera que outros nos salientem os méritos é para seres menores. E particularmente acintosos e ressabiados quando aludem aos que ousam notar-lhe um defeito aqui e ali.

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Entretanto, no meio de tudo isto, temos Trump mandando o seu press secretary mentir garantindo que teve a MAIOR multidão de sempre a assistir a uma tomada de posse. Ponto final. Além das divertidas tendências para o culto da personalidade – Trump tem mais gente a vê-lo porque é o mais arrebatador político desde que o poder centralizado do estado surgiu na noite dos tempos, como bem nos informam os superlativos que o POTUS usa sobre si próprio e as suas habilidades – há o mote que foi dado à presidência: mentir quando os factos não confirmam a estonteante maravilha que é Trump. Os funcionários do irmão americano do INE bem podem começar a estudar métodos de inventar estatísticas, caso a realidade tenha a falta de senso de não brindar Trump com o MAIOR crescimento económico desde Adam Smith, ponto final.

Trump no seu discurso fez promessas sensatas e cumpríveis como (cito livremente) exterminar os terroristas e acabar em definitivo com o crime. Declarou o dia da sua tomada de posse um Dia de Devoção Patriótica (façamos uma genuflexão) com ecos da Primeira Guerra Mundial. Inventa que só perdeu o voto popular para Hillary Clinton (por quase 3 milhões de votos) porque imigrantes ilegais lhe roubaram a eleição. Mantém a recusa de mostrar a sua declaração de impostos (algo que até na nossa democracia de pantomina se faz) impossibilitando, assim, os americanos de escrutinarem as suas atividades económicas e o seu património. Garantiu ser uma contradição nos termos um presidente com conflitos de interesses. O prestável partido republicano (aquele com que os crédulos contam para limitar os disparates trumpistas) já tentou, de resto, emprateleirar um departamento de vigilância independente para as questões de ética no Congresso. Foi só parado pela fúria popular; até Trump teve de reprovar a pressa.

Além do protecionismo, o novel POTUS – claro que na senda do anti intervencionismo internacional tão elogiado por trumpistas de todo o mundo – ameaçou impedir a China de usar as ilhas militares que tem construído no Mar do Sul da China. O que, a ocorrer, seria um ato de guerra contra um estado que nunca ameaçou ou colocou em perigo a segurança dos Estados Unidos. Conhecido, também, por ter uma política militar não expansionista mas ferozmente defensiva de todos os rochedos do seu território.

A filha Ivanka – que se prepara para ser a Primeira Dama efetiva com agenda política para implementar, em substituição de Melania, que ficará em Nova Iorque – é muito prática e tem um instinto de negócio igual ao do pai (quiçá também inspirada nesse famoso português ficcional que é o Sr. Oliveira da Figueira). Nem se dá ao trabalho de criar modelos originais para vender às suas clientes. Vê uns sapatos apetitosos de outra marca e copia-os sem tirar nem por.

Um presidente megalómano propenso a mentir, fazer negócios que ninguém poderá avaliar e comprar uma guerra para distrair os seus detratores e energizar os indefetíveis. Uma primeira dama oficiosa, influente, com alma de feirante desonesta. Uns apaniguados obedientes que não recusam mentir. Um partido, com maioria nas duas câmaras do Congresso, que se vendeu e renega o que sempre promoveu (o comércio livre, por exemplo) para alimentar o projeto de poder próprio de Trump. Não, não: não é nenhum bombardeamento à democracia liberal como a conhecemos. Nem nunca houve na história instituições que soçobraram devido a homens viciosos que as usaram e desacreditaram. Só pode correr bem.

Mas não esquecer: o perigo real são os manifestantes contra Trump. Não têm poder para ordenar ataques com drones, ao contrário do seu alvo, mas o que interessa? E as maldosas fake news – que são todas as que expõem Trump. Mas especialmente tóxicas são as desavergonhadas das mais de 3 milhões de mulheres que se manifestaram pacificamente nos Estados Unidos. Deixo-vos um bom plano: fingir que estas manifestações não tiveram números impressionantes, nem são importantes, e exibir só as maluquinhas (existem sempre) que lá se passearam. Que tenham mão pesada para estas aleivosas que não descansam na perseguição (juro que li isto) a um pobre homem que acaba de ser eleito.