Uma sala cheia de jovens na casa dos 30. Estridente, eufórica, feliz. As suas vidas ocupadas dificultam estes reencontros – ninguém sabe quando será o próximo. Juntaram-se para matar saudades, para rever rostos amigos, para lembrar os elos de um passado comum construído naqueles corredores escolares cujo chão de tijoleira os viu crescer. Para rir e contar as mesmas histórias vezes sem conta – aquelas cujas mulheres e maridos que não lá estiveram sabem contar como se as tivessem vivenciado na primeira pessoa. E para apontar ao futuro, discuti-lo, sonhar com ele.

Estes são os que ficaram. Os que recusaram partir. Os que saíram das universidades com a crise instalada e que acreditaram ser possível vencer em Portugal, apesar das ruínas de uma economia desequilibrada por décadas de prioridades políticas erradas. Uns lutam para puxar empresas portuguesas do fosso, seja nas áreas tecnológicas ou na distribuição mundial do bacalhau. Outros abrem horizontes na investigação científica ou caminham pelas consultoras. Há os que, apesar do talento, ainda não conseguiram as oportunidades profissionais que merecem. Mas há também os que arriscaram e abriram bares, os que lideram startups, os que montaram negócios audazes no turismo, os que criaram editoras ou livrarias de sucesso, os que mergulharam nas artes e fazem comédia. É mesmo assim: o passado é uno, o futuro é plural – pertence a cada um.

Foi a discutir o futuro que, nesse dia, pela primeira vez lhes vi a descrença nos olhos. Quem está no turismo receia que os seus negócios fiquem destruídos com a intervenção do Estado. Quem está nas consultoras informa que, de fora, só chegam sinais de alarme. Quem está nas tecnológicas já assistiu à suspensão do investimento estrangeiro. Quem está nas empresas exportadoras teme alterações legislativas (laborais e fiscais) que afectem a sustentabilidade do seu negócio. Eles, que sentiram a dureza dos anos da troika e sobreviveram-lhes julgando ter vencido o pior da crise, pressentem agora que esse esforço poderá ter sido em vão. Que terão de recomeçar tudo. Que o que construíram sobre ruínas poderá a ruínas reduzir-se. E perguntam-me: estão a gozar connosco?

Explico as particularidades políticas deste governo, cuja longevidade depende do apoio parlamentar de PCP-BE? Ou que António Costa provocará, mais cedo ou mais tarde, eleições legislativas e que para as vencer terá de, até lá, satisfazer várias clientelas – e que é isso que move muitas das suas decisões? Não, não lhes menciono nada disso, porque de facto não é esse o ponto. O ponto é que eles estão fartos de explicações e contextualizações para justificar o que não tem justificação: que o seu futuro seja sucessivamente arriscado por políticos e partidos cuja ambição é manter-se no poder.

Por isso, eles não percebem que se chegue ao ponto inédito de a UTAO questionar a credibilidade técnica do Orçamento de Estado, decorado com números martelados. Não compreendem que os avisos do Conselho de Finanças Públicas sejam desconsiderados no minuto, como se só no Ministério das Finanças se soubesse fazer contas. Não entendem que as dúvidas da Comissão Europeia sejam recebidas no PS com lunáticas teorias de conspiração sobre neoliberais que pretendem conquistar o mundo. Muito menos atingem que as agências de rating, goste-se ou não dos mercados, lancem alertas tão graves e que o primeiro-ministro reaja como se nada fosse. A lista de desatinos continua – o sacrifício da credibilidade externa do país (que tanto tempo demorou a conquistar), o favorecimento dos funcionários públicos (no horário de trabalho, na ausência da ameaça do desemprego e na reforma), o risco das reversões de privatizações para o investimento estrangeiro. No fundamental, é isto: eles não compreendem que a realidade seja ignorada por a ficção ser mais favorável para ganhar eleições.

A culpa, obviamente, não é deles. Nem estão eles reféns de uma visão mais à direita ou mais à esquerda. De facto, só quem está viciado no jogo político encontrará alguma lógica nisto tudo que, em boa verdade, é incompreensível, inaceitável e demasiadas vezes indigno – um governo arriscar a vida dos outros, empurrando para baixo quem acredita que é possível sair por cima, só para provocar e ganhar eleições. Não é a primeira vez que acontece. Por isso, eles fizeram-me a pergunta mas sabiam da resposta por experiência. Sim, estão mesmo a gozar connosco.

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