Num artigo muito bem-humorado, o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada argumenta que Deus é obviamente feminista. Só assim se compreende que a mulher seja tão favorecida em relação ao homem em tantos aspectos. Amadurecem mais depressa, vivem mais, têm a graça da maternidade, são mais bonitas entre várias outras bênçãos. É esta a justificação que P. Portocarrero de Almada encontra para Jesus Cristo reservar o ministério sacerdotal aos homens. Para os compensar de tanta inferioridade. Ou seja, “essa prerrogativa masculina não pode ser entendida como confirmação de um inexistente machismo divino, (…) mas apenas como um prémio de consolação”.

Também Pedro Arroja tem uma tese semelhante, se bem que aplicada num outro domínio da nossa vida social. Segundo Arroja, as mulheres não servem para líderes partidárias (sendo a sua ascensão à liderança um “sinal da degenerescência dos partidos”) por não serem tão sectárias como os homens.

Nestes dois artigos, encontramos uma tese semelhante. As mulheres têm qualidades naturais que as tornam intrinsecamente superiores aos homens. E é por isso que devem ficar no seu lugar, onde tamanhas qualidades são verdadeiramente aproveitadas.

Esta tese não é uma originalidade nossa. Também Mahmoud Ahmadinejad, presidente da República Islâmica do Irão até 2013, num debate em que participou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, depois de ter explicado que o fenómeno da homossexualidade não existia no seu país, disse:

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As mulheres são as melhores criaturas que Deus criou. Representam a bondade e a beleza que Deus lhes deu. As mulheres são respeitadas no Irão. No Irão, cada família que tem uma filha é 10 vezes mais feliz que as que têm um filho. As mulheres são mais respeitadas do que os homens.

Resumindo, nas palavras do P. Portocarrero de Almada, Deus é feminista. Não no sentido usual do termo, de considerar que homens e mulheres deviam estar em pé de igualdade, mas antes por considerar que as mulheres são superiores aos homens. Mas, como se vê, a consequência desta superioridade é que às mulheres estão vedadas certas posições. Curiosa forma de feminismo.

Fiquei, confesso, curioso com estas ilações. A ser verdade o que estes senhores argumentam então é de esperar que nas sociedades onde a palavra de Deus é mais popular as mulheres sejam mais subalternizadas. Para testar esta tese, decidi, de forma assumidamente crua, olhar alguns dados.

As Nações Unidas calculam um índice para quase 200 países a que chamam Índice de Desigualdade de Género. Esse índice incorpora diversos indicadores, como a saúde reprodutiva, desigualdade no mercado de trabalho, níveis de educação, percentagem de deputadas nos parlamentos, etc. Um inquérito feito a 65 países pela Gallup International deu-me dados relativamente à religiosidade dos diferentes países, estimando a percentagem de pessoas que se consideram religiosas. Para evitar ser acusado de misturar o cristianismo com outras religiões menos civilizadas, apaguei os países que não tivessem o cristianismo como religião maioritária, ficando então com observações para 43 países. O gráfico em baixo mostra o que resulta quando se cruzam estes dados.

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Quanto mais pessoas levam a religião a sério maior a desigualdade de género. A correlação é de 79%. É verdade que correlação não significa necessariamente causalidade. Mas esta associação entre religiosidade e desigualdade é necessariamente interessante. Parece que a idealização do papel feminino, defendida por tantas religiões, leva à sua subalternização. Não precisam de me dizer que correlação não é causalidade, sei-o bem. É, por exemplo, possível que este gráfico seja explicado pelo facto de que países mais religiosos são também (em média) aqueles com menores níveis de desenvolvimento (sendo os Estado Unidos a principal excepção). Como dizia, sei que correlação não é causalidade. Mas também sei que ajuda.