1.  Anda por aí um alarido político por causa da aprovação do Orçamento de Estado – último da legislatura – ao qual se têm emprestado as mais desproporcionadas conjecturas como fatais divisões partidárias, aflições presidenciais, antecipação de calendários eleitorais, por entre outras dúvidas disparadas como certezas. Além de ocioso o exercício surge-me como puramente estival e por razões tão óbvias que quase dispensam argumentos: alguma vez o Mário Centeno de Bruxelas poderia correr o vexatório risco de ver um documento assinado por si ser derrubado no hemiciclo parlamentar de Lisboa onde dispõe de um dócil amparo político que tanto aliás desvanece os seus colegas europeus? Não, não podia. Antes a morte política que tal sorte. Alguma vez António Costa se poderia dar ao luxo de perder Centeno de vista governamental? Não. Haverá alguém normalmente constituído que acredita que os radicais que sustentam a governação seriam capazes de abrir mão do seu extraordinário estatuto geringoncional e das generosas benesses – políticas, civilizacionais, sociais – que poderão vir a receber, a somar ás já recebidas? Também não.

E se pensarmos, como todos pensamos, que o Bloco acarinha o sonho de um lugar cativo na rua Gomes Teixeira ou de uma morada fixa em S. Bento, olharemos para as cenas da vida quotidiana daquela agremiação e das suas artificiais exaltações para com o PS com um bocejo cansado e alguma pena: de nós, claro, os que não somos eles.

Para o bem e para o mal tudo se negoceia na política como na vida. E como tal – pedirei desculpa se me enganar – adivinha-se que se trata disso mesmo, uma negociação que com mais ou menos pressa, urgência e premência, está laboriosamente em curso. Vasta, dura e detalhada como reclama o guião do outono de 2018: o PS tem de mostrar que continua mestre do jogo, com a chave do poder na mão e que não virou um sem abrigo político à mingua de tecto e esmola. De caminho não se esquecerá de humilhar o PSD, sublinhando a dispensa dos seus serviços, mesmo que seja – ou venha a ser – mentira. O Bloco continuará a reclamar – com pouco tino e nenhuma responsabilidade – tudo o que lhe passar pela cabeça, levantando televisivamente a voz às segundas, quartas e sextas para, nos outros dias, com menor estridência e exigência, negociar o seu futuro com os socialistas. Na penumbra dos bastidores.

Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.