A Zona Euro está, atualmente, a experimentar a sua taxa de inflação mais elevada dos últimos 20 anos. Com valores de 9,1%, esta subida está a mostrar muito poucos sinais de abrandamento, preocupando tanto os consumidores, como as empresas, que enfrentam um aumento do custo de vida, a menos que os governos intervenham.

Os economistas culpam o pico dos preços elevados da energia, impulsionados pelo conflito na Ucrânia. Afinal, a Rússia é responsável por mais de 12% da produção mundial de petróleo bruto, e é o terceiro maior produtor depois dos Estados Unidos e da Arábia Saudita.

A opinião da maioria dos economistas é certamente apoiada por dados de mercado: a 8 de fevereiro o preço de um barril de petróleo bruto era de 89 dólares. Um mês depois, quando a invasão de Putin começou, o preço do petróleo aumentou 39% para $124.

Esse aumento, no entanto, não menciona que o preço já era elevado antes da Europa ter tomado conhecimento das intenções do ataque da Rússia. Em Janeiro de 2021, o preço era de 52 dólares. Em Outubro era de 83 dólares, e em Janeiro de 2022, a inflação era de 5%. Isso foi, por si só, um aumento sem precedentes.

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Concluímos então que, embora a guerra tenha levado a inflação a níveis sem precedentes, já estava num ponto alto antes dos primeiros tanques e das primeiras tropas atravessarem a fronteira.

Então, que outras razões existem para a inflação? De que nos estamos a esquecer? No Verão de 2021, a Europa começou a deixar para trás os lockdowns. Trocámos as nossas videoconferências com a família e amigos por bares, restaurantes, eventos desportivos e eventos musicais; afluímos a lojas, viajámos, e recomeçámos as nossas vidas.

Tendo estado fechados durante tanto tempo, queríamos fazer todas as coisas que tínhamos negligenciado durante mais de um ano antes.

Mas surgiu um problema. O mundo do comércio e da logística também tinha experimentado esses bloqueios. As cadeias de abastecimento mostraram-se frágeis, reduzindo a oferta, apesar da procura.

Entre 2020 e 2021, os especialistas da Expense Reduction Analsysts observaram que o preço do aço estrutural fabricado saltava 64%, e a madeira serrada ou aplainada importada sofria um aumento de custos de 64,2%.

O custo da logística também aumentou drasticamente. Em 2019, o preço para transportar um contentor de 40 pés de Xangai para Nova Iorque era aproximadamente de2.500 dólares. No início de 2022, esse preço pode ter chegado aos $20.000, um aumento estimado de 700%, em menos de três anos.

Como resultado, a inflação aumentou de 2% em Julho de 2021 para 5% em Janeiro de 2022. Para contexto, considera-se saudável que este valor se situe entre um e dois por cento.

Além disso, durante anos, os bancos centrais injetaram nas economias toneladas de dinheiro barato. Foi o que se apelidou de QE, quantitative easing, uma ação de política monetária através da qual um banco central compra títulos soberanos ou outros activos financeiros para injectar reservas monetárias na economia, a fim de estimular a atividade económica. Isto é frequentemente descrito como “imprimir dinheiro”.

Antes e durante a pandemia, os bancos centrais, nomeadamente o BCE, BoE e Fed, compraram enormes quantidades de títulos do Estado, numa tentativa de manter os níveis de despesa para relançar a actividade económica.

Embora o seu principal objectivo fosse encorajar a despesa, muitos economistas acreditam que esta ação contribuiu significativamente para o aumento da inflação. A acrescer a isto, tudo o que consumimos provém de recursos naturais, seja a gasolina, as baterias dos nossos telemóveis, os cereais que comemos ao pequeno- almoço. Isto são matérias-primas, que têm de ser produzidas, comercializadas, compradas, vendidas, transportadas, armazenadas e processadas. É neste processo que intervêm as traders, empresas de comércio de matérias-primas.

Compreendemos que, se quisermos vencer a Rússia, devem ser aplicadas sanções. Por conseguinte, ao não comprar petróleo russo, estamos a restringir a oferta, ao mesmo tempo que continuamos a ter uma procura elevada.

No entanto, ao mesmo tempo que as pessoas se esforçam para pagar as suas contas de energia, alimentação e juros dos créditos habitação, e que as empresas começam a perspetivar uma retração na procura global, os traders de commodities (matérias- primas e minerais básicos globais e indiferenciados cujos preços são determinados pela oferta e procura no mercado) estão a alavancar a volatilidade do mercado para ganhar dinheiro.

Os decisores políticos globais (G20) estão conscientes das implicações da atividade financeira frenética nos mercados de bens essenciais, principalmente pelos fundos de investimento que dominam o comércio, mas são lentos a agir. As transações nestes mercados deveriam ser apenas permitidas apenas àqueles que têm um interesse operacional direto na comercialização destes bens essenciais, e não deixadas em roda livre à mercê dos grandes especuladores financeiros. Esta especulação financeira em bens essenciais irá causar sérios estragos na vida e subsistência das pessoas, especialmente as mais frágeis e carenciadas.

O comportamento dos consumidores e as respostas económicas são razões justificáveis para um aumento da taxa de inflação. Compreendemos que os preços podem subir para manter o coração da economia a bater (equilibrando oferta e procura). Mas não há registos que nos possam dar uma ideia sobre o que acontece quando juntamos no mesmo pote uma pandemia, a disrupção na produção e nas cadeias de distribuição, o aumento exponencial dos custos da energia, o impacto das alterações climáticas, o crescimento de movimentos nacionalistas, uma guerra na Europa e o arrefecimento simultâneo dos três motores da economia mundial, EUA, China e Alemanha. Tudo bem regado com a injeção, durante anos, de toneladas de dinheiro barato e com a hiperatividade dos traders gigantes que fazem fortunas com a volatilidade das cotações de matérias-primas energéticas, industriais e alimentares.

A hesitação no combate à inflação pelos bancos centrais pode obrigar a elevar ainda mais as taxas, causando danos ainda mais severos à economia.

Um relatório das Nações Unidas, publicado esta semana, alerta que “os movimentos da política monetária e orçamental nas economias avançadas correm o risco de levar o mundo para uma recessão global e uma estagnação prolongada, causando danos piores do que a crise financeira de 2008 e o choque da covid-19 em 2020”. O mesmo relatório sugere ainda, como alternativa, o uso de impostos sobre lucros inesperados para amortecer o impacto dos preços nos consumidores, uma regulação mais apertada para controlar a especulação nas matérias-primas e um maior investimento no reforço da oferta (que os juros mais altos vão dificultar).