Os que montam quebra-cabeças sabem bem o peso do verbo “recomeçar”. Assim como os que trabalham na construção civil ou os que criam um filho até os dez anos de idade e, de repente, se veem com outro recém nascido nos braços. O mundo nos ensina a terminar tarefas, a fechar ciclos, a tocar em frente. O mundo não nos ensina bem essa história de recomeçar.

Frejat canta o verso “desejo que você tenha a quem amar/ e quando estiver bem cansado/ ainda exista amor para recomeçar”. Honestamente não sei se é amor o que é necessário em todo recomeço. Em alguns pode até ser. Mas acho que na maioria o que é preciso é coragem. Porque o recomeço não exige só tempo e dedicação. O recomeço é, acima de tudo, a volta do risco.

Um divórcio, uma separação uma viuvez acontecem. E eles doem até em lugares que não sabíamos que existiam. Se inicia, então, uma travessia: gerir crianças, bens, rotinas, lares, panelas, facas e outros objetos que magoam. Recomeçar um lar- que dor enorme que isso representa num peito humano. Porque reconstruir um ninho requer amor (e nesses momentos, é exatamente isso que falta). Requer dedicação. E requer, acima de tudo, a tal da coragem.

E então nos ajeitamos. Nossa casa, nosso canto, nossa paz. O que parecia impossível acontece: um lar reconstruído. E, de repente, por vezes sem aviso, eis que aparece uma nova pessoa. Com seu sorriso, seus mistérios, seus presentes e suas bagagens. E você se vê perante um outro convite tão delicioso quanto assustador: recomeçar. Outra vez. Com risco, outra vez. Com algum medo, outra vez. E, então? Vai ou não vai? Vencem o amor e coragem ou vencem a estabilidade e medo?

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Um emprego é perdido. Uma porta que se fecha sem que outra automaticamente se abra. Tudo aquilo que ninguém gosta de viver. Uma empresa quebra. Um sócio é perdido. E agora? Desistimos de tudo? Ou recomeçamos? Peça por peça, projeto por projeto. Sim, é bem mais tentador desistir. Mas que história queremos ver ao olhar para trás? As narrativas de superação são mais bonitas do que as de desistência. Nem sempre é possível, mas jogar a toalha sem tentar… Parece triste.

Um corpo depois de uma gravidez. Um organismo depois de uma contaminação por Covid. Uma vida depois de um câncer. A barriga que a cerveja trouxe com os anos. Um corpo que pede um recomeço, quase como nos pede um bebê que acaba de nascer. E, então? Deixar como está ou recomeçar, com alguma calma e alguma sensatez? Sim, é difícil. Sim, dá preguiça. Sim, requer coragem. As opções estão na mesa. As escolhas são nossas.

Recomeçar parece algo no sentido invertido. A vida nos é apresentada como uma linha do tempo em que só se evolui caminhando em frente. Mas a vida real tem voltas retornos, idas e vindas. A vida real pede recomeços. Como diria Guimarães Rosa o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.