Para todos os efeitos, o projecto político do Bloco de Esquerda acabou. O partido ainda existe, não desaparecerá de um dia para o outro, mas o fim será penoso, e os ódios tribais causarão certamente vítimas. O Bloco de Esquerda acaba precisamente quando, segundo muitos dos nossos intelectuais de esquerda, deveria estar a crescer. Quase todos os dias nos recordam da “pior crise do capitalismo desde 1929”, “do egoísmo da Europa tecnocrática e monetarista”, de “um governo neo-liberal apostado em destruir o Estado social”. E o Bloco de Esquerda que ataca o capitalismo, a Europa “deste Euro”, o neo-liberalismo e o governo, em vez de crescer eleitoralmente, de se unir e atrair outros na esquerda, está a desaparecer. Como se explica este fenómeno aparentemente contraditório?

Uma explicação óbvia reconhece o apoio da maioria dos portugueses ao capitalismo, ao Euro e à necessidade de reformar o Estado social. Mesmo muitos que achavam uma certa graça ao Bloco quando se trata de decidir o que realmente conta, como receber salários ou manter as poupanças em Euros, não se identificam com posições radicais e não estão dispostos a dar o seu voto a quem brinca com coisas sérias.

A incapacidade de crescer durante a crise demonstra a dimensão do fracasso do Bloco de Esquerda. O Bloco foi um fenómeno político de tempos de prosperidade. O seu eleitorado foi a burguesia urbana, intelectual e liberal nos costumes, que estava disposta a apoiar causas sociais quando tudo lhes corria bem. Os salários cresciam, as pensões e, para muitos, os subsídios do Estado estavam garantidos, e a vida corria sem sobressaltos de maior. Estavam disponíveis para umas campanhas a favor de causas fracturantes, o que de resto fazia muito bem ao ego de de quem de identifica como moderno e progressista. Mas a última coisa que desejavam era grandes mudanças e muito menos revoluções. Um partido de líderes revolucionários tinha no essencial um eleitorado satisfeito com a sua vida. Tal como no caso do PSD, também o Bloco de Esquerda tem membros à direita dos líderes, e eleitores à direita do partido.

Quando a situação mudou, a realidade se tornou muito mais difícil e o que parecia adquirido deixou de estar garantido, os eleitores deixaram de seguir as loucuras revolucionárias dos chefes. Podem não o reconhecer em público, mas nenhum progressista urbano quer perder o Euro, tal como os altos funcionários públicos não pretendem uma segunda estadia da “troika” ou, pior, a bancarrota. E sabem que seria esse o desfecho se se aplicasse as receitas do Doutor Louçã. No fundo, embora não admitam, estão agradecidos à Europa, a Merkel e a Passos Coelho porque lhes garantiram tudo o que foi possível salvar.

O Bloco de Esquerda acabou porque a sua resposta à “pior crise do capitalismo” assusta a maioria dos seus eleitores. O fim mostra igualmente que em Portugal só há espaço para dois partidos de esquerda, os socialistas e os comunistas. Nada melhor do que uma crise para separar o essencial do acessório; e o Bloco foi sempre acessório. Agora, uns regressarão à velha UDP, que de resto nunca desapareceu (o que indica que nunca acreditaram verdadeiramente no Bloco). O Doutor Louçã irá dividir-se entre manifestos e comentários televisivos, na esperança de ser outra vez candidato presidencial. Os outros continuarão as suas carreiras de comentadores, criando partidos nas horas livres, mas sempre com a aspiração de um dia chegarem a Secretários de Estado de um governo socialista.

A incapacidade da coexistência entre a ala radical e marxista e a ala socialista e moderada demonstra ainda, mais uma vez, que as duas grandes famílias da esquerda portuguesa nunca se entenderão. Não levem a sério tudo o que se diz na campanha socialista, o fim do Bloco mostra também que PS e PCP nunca poderão governar juntos. Sem maioria absoluta, o PS está condenado a governar com o PSD ou com o CDS (ou com ambos). E nem o Bloco de Esquerda conseguiu acabar com essa fatalidade socialista. Por isso, acabou.

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