“Como esquivar-se a tempo dos balões de tinta verde?” – ainda há semanas era essa a grande questão nas notáveis cabeças do Governo Costa, à mercê de activistas certeiros e sem coração. João Miguel Tavares (JMT) decidiu então abordar a problemática no também notável texto Até hoje, o apocalipse foi desmentido 100% das vezes, onde surge trajado de ateniense para ofertar «conselhos de velho» que diz serem prerrogativa das suas 50 primaveras. Sobe então ao púlpito para desenganar os franganitos da Climáximo quanto às catastróficas previsões do IPCC, e só por manifesta falta de tempo não ralhou também aos super-ricos que por essas e por outras lá vão construindo os bunkers dos seus sonhos.

É por causa da «nossa absoluta incapacidade de prever o futuro [que] todos os discursos apocalípticos tendem invariavelmente para o ridículo [já que] foram desmentidos 100% das vezes», explica-nos JMT, e não teria menos razão se dissesse que nunca morrerá porque até agora nunca morreu. Segue-se a revelação de que já no passado o «brain power da espécie humana» encontrou caminhos que ninguém previra e portanto o mesmo se há-de repetir no futuro. Claro que amanhou um paralelo histórico omisso dos povos que sucumbiram às mudanças ambientais, nalguns casos precipitadas por eles próprios, e é preciso tapar um olho e enfiar o dedo no outro para a não ver a contradição bem gorda que é desvalorizar previsões fazendo previsões, mas louve-se a mestria do velho lírico!

JMT praticamente só acerta quanto à nossa incapacidade para prever o futuro. Embora… Em 1896 colocou-se a hipótese do aumento de CO2 na atmosfera poder aumentar a temperatura média; em 1957 surgiu o primeiro estudo alertando para a crescente concentração desse gás; em 1962, publicou-se o profético Primavera Silenciosa. E em 1990, saiu o primeiro relatório do IPCC, a que se seguiram 30 e tal anos de previsões certeiras ou demasiado optimistas. Mas 30 é bem menos do que 50.

Mas se o passado é prenúncio do futuro, e se as alterações climáticas são o maior desastre ambiental de sempre, então importa olhar para o segundo maior desastre, o da intoxicação por chumbo causada pela combustão de gasolina com chumbo. Matou e continua a matar milhões de pessoas, e tornou-nos a todos menos saudáveis e possivelmente menos inteligentes (o que explicaria muita coisa). Apesar de já se conhecer os seus efeitos nocivos há séculos, foi Clair Patterson, um herói sem capa, que declarou guerra ao chumbo, após descobri-lo contaminando todas as amostras de rocha que usou para inferir a idade da Terra (sim, foi ele). Custou-lhe a carreira e a reputação, e só no ocaso da sua vida se viu vingado com a proibição da gasolina com chumbo.

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Ontem como hoje, ganha-se batalhas mas não se ganha a guerra. As grandes indústrias bloqueiam e boicotam a mudança até ao último momento, fazendo vítimas de que ninguém faz caso. A poluição atmosférica mata sete milhões por ano, 5.000 só em Portugal, os gases do gasóleo, cancerígenos segundo a OMS, continuam em força, e os extremos climáticos reavivam conflitos e fazem milhões de refugiados, mas a prioridade é mantê-los longe. Ontem como hoje, o plano é continuar a enterrar.

JMT confessa-se sabedor de que o planeta está a aquecer e que a «acção humana está relacionada com isso», e de que temos de consumir menos, e de poluir menos, etc. Provavelmente também sabe que virtualmente todos os indicadores continuam a agravar-se, que os veículos eléctricos são uma falsa promessa, que a reciclagem e afins são essencialmente uma fraude, e até já deve ter notado que do dia para a noite nascem clareiras nas nossas “florestas” como que por abocanhamento de dragão, dir-se-ia, se não ficassem os rastos dos tractores.

Como é então possível não se deixar assombrar pelo prospecto de 8.000.000.000 de bocas procurando sustento num clima hostil? Suponho que JMT é céptico quanto às projecções da ciência actual porque é devoto de uma ciência futura, uma ciência que nos há-de salvar no penúltimo suspiro. Uma ciência john-mclane.

JMT conhece Malthus mas se calhar não conhece o Paradoxo de Jevans (que diz que quanto menos recursos o bem consome mais consumido é), mas a sua é na verdade um mero eco do Modernismo fora-de-prazo, aquele que se extasiava pela crença na superação da natureza pela ciência, magnificamente representado na clássica ilustração publicada pela National Geographic em 1970, e que cristalizou a visão dos modernistas da década que nos viu nascer, a mim e ao JMT, para a quinta agrícola no século XXI: um devaneio tecno-utópico a que só faltaram os carros voadores.

Esta fé arrogante, irracional, ilógica, fez germinar alguns dos maiores desastres da História. Na floresta, patrocinou a monocultura, a apropriação de bens comunais, os fogos, as pragas, e o estertor da biodiversidade; na agricultura, foi causa das mega-quintas colectivizadas da URSS e do Dust Bowl americano (resultados do mesmo planeamento “científico” feito em dias num hotel de Chicago), e até da nossa Campanha do Trigo; na política, pariu o Socialismo Científico e o Fascismo, e perfilhou o Neoliberalismo. Tudo desaguou na desarticulação da sociedade, em que a cidade moderna substituiu a comunidade humana para dar palco ao desenraizamento e à atomização do indivíduo.

Longe de mim, informático, menosprezar a importância da ciência e da tecnologia. São elas que nos libertam da opressão do obscurantismo, que nos dão vidas longas e saudáveis, e os prazeres de insultar pessoas no outro lado do mundo. Sabemos muito sobre quase tudo mas o nosso erro trágico é não interiorizarmos que não sabemos tudo sobre coisa nenhuma, nem do buraco-negro super-massivo nem do modesto dente-de-leão. Este imenso conhecimento parcial torna-nos imensamente perigosos.

A única coisa garantida, JMT é que a vanguarda não é usar chinelos com meias brancas. Por isso, deixe os miúdos ingerirem-se nos negócios do mundo enquanto não são digeridos por ele.