“Não vejo forma de os deputados da Aliança Democrática viabilizarem uma governação do PS, tal qual está representada.”

Luís Montenegro, 30 de janeiro, CNN

Existe um problema de partida quando se tentam encontrar soluções à força para a saída do pântano em que a política portuguesa entrou no dia 10 de março: mediante a simpatia que se tenha por Luís Montenegro ou por Pedro Nuno Santos dizem-se coisas diferentes, exigem-se coisas diferentes e aplicam-se grelhas de avaliação diferentes. Torcem-se verdades, omitem-se factos e esquecem-se declarações de princípio – a menos que essas verdades, esses factos e essas declarações de princípio sirvam os propósitos pretendidos.

Vem isto a propósito da tese que se vai alimentando por estes dias e que passa pelo seguinte: o PS perdeu e portanto está obrigado a salvar o Orçamento do Estado para 2025 como prova de “maturidade” e “responsabilidade” democráticas. Se não o fizer, vai estar a cometer o crime político de faltar aos portugueses e ao país. Mas o “deixem-nos trabalhar” de Montenegro tem um problema. Quando foi a doer, antes e durante a campanha eleitoral, o social-democrata não demonstrou semelhante vontade de compromisso. Bem pelo contrário.

Que não haja enganos: se as eleições tivessem tido um resultado inverso, Pedro Nuno Santos estaria a exigir ao social-democrata que não fosse um “bloqueio democrático” e Luís Montenegro a dizer que não seria seguro de vida do socialista. Um e outro sabem, de resto, que não sobreviveriam muito tempo à frente dos respetivos partidos se fizessem o contrário. Todos sabem. Mas a circunstância de a Aliança Democrática precisar do PS para governar não pode ser uma via verde para a suspensão do valor da coerência entre posições francamente conhecidas.

Em entrevista à CNN, a 30 de janeiro, conduzida pelo jornalista Anselmo Crespo, Luís Montenegro foi cristalino: “Não vejo forma de os deputados da Aliança Democrática viabilizarem uma governação do PS, tal qual está representada”. Daí em diante, o social-democrata fechou-se em copas e, apesar da muita insistência de jornalistas, comentadores e adversários políticos, recriou, alimentou e nunca desfez o tabu sobre o que faria se ficasse em segundo lugar.

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A pergunta foi repetida à exaustão: permitiria ou não ao PS governar? Montenegro nunca respondeu, mas sabia que a resposta estava na cara. Aliás, como foi sugerido várias vezes pelos seus dirigentes mais próximos, se o PS vencesse as eleições mas existisse uma maioria de direita no Parlamento, os sociais-democratas iriam, sem grandes hesitações, apresentar uma moção de rejeição para derrubar o governo de Pedro Nuno Santos. Ganhando ou perdendo, o PS estava condenado a cair.

Basta recordar o bullying que Nuno Melo sofreu dos dirigentes do PSD quando, na mesma CNN, disse o seguinte: “Se o PS vencer as eleições, quem vence deve governar. É isso que é suposto. Aplico aos outros aquilo que reclamo para nós. Se a AD vencer as eleições, deve governar; o que reclamo para a coligação deve ser aplicável a todos os outros”. A partir do núcleo duro social-democrata, chamaram-lhe “infantilidade” e perguntaram se Melo tinha “ensandecido”.

Mas a vida tem destas ironias. A Pedro Nuno Santos, que fez uma campanha interna contra a ideia de o PS se aliar ao PSD, que disse exatamente ao que vinha durante a campanha para as legislativas e que o repetiu na própria noite eleitoral, é-lhe exigido agora que esqueça o seu próprio “não é não” e que ajude um Governo que fez uma campanha pela “mudança” a sobreviver.

Montenegro, que raramente perdeu uma oportunidade de acusar Rui Rio de querer ser uma bengala de António Costa, que foi a votos internamente por essa ideia (perdendo), e que, já como líder do PSD e candidato a primeiro-ministro, nunca disse que permitiria ao seu adversário governar em circunstâncias semelhantes, exige agora ao PS que não seja um “bloqueio democrático” e espera que Pedro Nuno Santos, que chegou a acusar de ser “uma versão moderna” do ‘gonçalvismo'”, seja a sua bengala particular.

O “não é não” a Ventura e a ideia ventilada por Montenegro de que não permitiria ao PS governar são incensados e dá-se de barato que terão contribuído para a vitória da Aliança Democrática. Já o “não é não” a Montenegro e a promessa de Pedro Nuno de convergência à esquerda não terão contado para o resultado do PS e, portanto, são linhas vermelhas perfeitamente ultrapassáveis. Há aqui qualquer coisa que não bate certo.

Por tudo isto, e a menos que exista uma alteração drástica das circunstâncias, o que se assiste por estes dias é um simulacro de negociação que vai terminar como se prevê: se Luís Montenegro continuar a depositar em Pedro Nuno Santos a missão (e a obrigação) de salvar o seu Orçamento do Estado, acabará de mãos vazias. Montenegro sabe-o e vai preparando o terreno para dizer que o PS o derrubou; Pedro Nuno sabe-o e vai preparando o terreno para dizer que o PSD não soube governar; os dois estão em pré-campanha eleitoral.

Nestas circunstâncias, resta saber o que faz André Ventura, que poderia perfeitamente salvar o Orçamento do Estado, mas a quem já ninguém parece exigir responsabilidade ou que contribua com soluções. Talvez devesse. Afinal, foi sempre essa estratégia do PSD: provar que, à direita, só há uma alternativa ao PS e que o Chega é um bloqueio à governação. Esse guião, até ver, parece estar a ser preterido por outro.