O PSD e o CDS têm feito um enorme esforço para prender as atenções do país em relação às suas fraquezas e divisões. Em grande medida, isso ajuda o PS a esconder as suas divisões. Mas as divergências entre os socialistas são mais graves e mais sérias do que aquelas que afligem o PSD. São mais graves porque o PS está no governo e começa a enviar sinais do que não consegue governar. São mais sérias porque têm uma dimensão ideológica mais radical, agravada pela influência do Bloco de Esquerda.

É impressionante assistir a tanto desnorte e a tantas divisões num governo que acabou de tomar posse após uma vitória eleitoral. Se este orçamento pós-eleitoral foi uma novela patética, o próximo, daqui a um ano, será uma acto trágico. Mário Centeno era, até há meses, um pilar do governo socialista, e essencial para a sua credibilidade. Agora, tem quase todos os ministros contra ele, e a manifestarem essas divergências em público. Aparentemente, António Costa e o seu ministro das Finanças mal se falam e já não se aturam. Augusto Santos Silva, a melhor cabeça política do governo, já não esconde que está farto de ser ministro. Talvez sonhasse com a Comissão, mas Bruxelas fugiu-lhe (foge a muitos). O ministro do Ambiente só pensa em preparar a sua candidatura à Câmara do Porto, enquanto se torna mais verde talvez a pensar nos apoios do Bloco e do PCP.

Tudo isto mostra duas coisas. A vitória eleitoral sem maioria absoluta foi, na verdade, uma derrota política. O governo, a começar pelo PM, não esconde a desilusão. Isto leva-nos ao segundo ponto: Costa fez um governo para dois anos, para chegar à presidência do Conselho da União Europeia no primeiro semestre de 2021, e depois penar até às autárquicas (se tanto aguentar). Os portugueses estão condenados a mais um executivo socialista que não passará dos seis anos e que acabará mal, na tradição dos governos de Guterres e de Sócrates.

Obviamente, os ministros sabem que estão num governo para dois anos. Por isso, a principal preocupação das principais figuras socialistas é a sucessão de Costa. O que só servirá para agravar as divisões. Quando fez a geringonça, Costa abriu um precedente cujo significado ainda não se entende completamente. Precisou da aliança com os comunistas e com os bloquistas para chegar a São Bento, em vez de ir para a reforma. Mas não quer que o PS e o Bloco se misturem. Deve ter mesmo momentos em que se atormenta com tal possibilidade, especialmente porque sabe que seria o grande culpado. A principal missão política de Costa, até ao fim do seu consulado à frente do PS, é combater o que fez em 2015, sobretudo a aliança com o Bloco. Dito de outro modo, Costa fará tudo o que puder para evitar que Pedro Nuno dos Santos seja o próximo líder do PS. Ainda vai a tempo de evitar? As dúvidas são inteiramente legítimas.

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António Costa já foi obrigado a afirmar, mais do que uma vez, que ainda não meteu os papeis para a reforma. Mas Pedro Nuno dos Santos sabe que a reforma do seu ainda chefe poderá estar mais próxima do que se julga. Por isso, vai consolidando o seu poder no interior do PS. Entretanto, o pobre do Costa tenta encontrar quem trave o camarada Santos. Testou Pedro Marques nas eleições europeias, e foi um desastre. Não desiste do Medina mas, sem grande confiança no Presidente da Câmara de Lisboa, vai tentando outros. Promoveu Siza Vieira a número dois do governo, para relegar o camarada Santos para um plano secundário (e castigar Centeno). Mas se Costa for mesmo amigo de Siza Vieira, nunca patrocinará uma candidatura do advogado à liderança do PS. Há maldades que não se fazem aos amigos. Até Costa percebe isso. Também promoveu Mariana Vieira da Silva a ministra de Estado. É verdade que de entre os cinco partidos de poder em Portugal, juntamente com o PCP, o PS nunca foi liderado por uma mulher. As esquerdas tradicionais ainda têm alguns problemas com a igualdade de género. Mas, entre nós, ninguém acredita que a Mariana seja a primeira líder mulher do PS. Será muito competente, inteligente e trabalhadora. Mas seria demasiado cruel empurrá-la para uma disputa eleitoral com o Pedro Nuno. Também há a Ana Catarina Mendes, de uma dedicação ilimitada e admirável aos socialistas. Mas o PS ainda é um partido para ser liderado por de homens de barba rija, que não se assustam com mulheres como a Merkel, como o camarada Santos, e de cacique locais que gostam de homens de barba rija e não querem ser liderados pelas doces Marianas e Anas Catarinas de Lisboa.

O PS está no governo, mas na realidade está a pensar na sucessão de António Costa e não sabe como governar. As divisões e a paralisia governamental dos socialistas são agravadas pelo claro mal-estar dos partidos à sua esquerda. O PCP sofreu uma derrota eleitoral, e sente-se perdido e sem rumo. Tornou-se um partido envelhecido, e de velhos, com pouco futuro. O Bloco também perdeu nas últimas eleições. Continuou com os mesmos deputados, mas viu os seus rivais pelo voto de protesto urbano, o PAN e o Livre, crescerem. Para o Bloco, isto significa uma derrota política. As vanguardas revolucionárias não admitem rivais. Além disso, está dividido entre os que querem ser uma muleta do PS no governo e os que desejam continuar na oposição até ao dia da revolução.

Apesar de estarem no governo e no poder, o retrato político das esquerdas é preocupante. Estão divididos, não confiam uns nos outros e preparam-se para as lutas internas que aí vêm. Muitos julgaram que a geringonça anunciava uma maioria duradoura de socialistas, comunistas e bloquistas. O futuro poderá ser diferente. A geringonça poderá ter sido o início de uma crise das esquerdas. A crise ainda maior das direitas disfarça e vai adiando o inevitável. Mas não salva as esquerdas. Será uma questão de tempo até os portugueses perceberem.