Nas imagens que nos chegam hoje de Beirute ecoa também a guerra civil que assolou a país durante 15 anos. Durante os anos oitenta a maior parte de Beirute era uma ruína, resultado da guerra entre os grupos étnicos e religiosos. A guerra acabou em 1990 através do acordo de Taif, que manteve a divisão de cargos políticos entre membros das comunidades religiosas e étnicas libaneses. A precária convivência no Líbano é gerida pelos representantes dos diferentes grupos, uma elite cuja insulação da competição política resulta num sistema corrupto e ineficiente. A profunda crise económica provocada pela pandemia pôs a nu esta realidade, que nos últimos meses é desafiada por uma mobilização civil que põe em causa a precária estabilidade do país.
O nacionalismo sectário – onde etnia e religião se fundem e reforçam – está cada vez mais na moda. De Erdogan, na Turquia, e Modi, na Índia, passando pela Polónia e acabando em Bolsonaro, no Brasil, os exemplos multiplicam-se para mostrar que o século XXI não é apenas o do regresso do nacionalismo à política mundial, mas que este nacionalismo já não é secularista, mas, antes, se alimenta da identidade religiosa – Islâmica, Cristã ou Hindu – para justificar a autocratização destes países.
O anúncio do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, em finais de julho, de que a Hagia Sofia em Istambul – a antiga igreja, depois mesquita e depois museu – seria transformada novamente em mesquita, é o símbolo perfeito desta tendência mundial. A condenação internacional que este anúncio provocou, longe de incómodo, é bem-vindo por Erdogan. Tal como outros líderes nacionalistas, ele fortalece-se através do constante conflito com inimigos domésticos e estrangeiros. Erdogan apresentou a reconversão da Hagia Sofia não apenas como um ato de piedade ou retificação de uma injustiça histórica, mas como a defesa da soberania turca. Para Erdogan, o nacionalismo islâmico serve, sobretudo, a sua intenção de se estabelecer como líder incontestado, não só da Turquia como da região.
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