Até o presidente tem as suas horas de ingenuidade. Julgou que a ameaça de eleições imediatas prenderia a geringonça ao governo. Não prendeu. Mas prendeu-o a ele à questão da data das eleições.  E assim, durante uma semana, o problema do governo transformou-se num problema do presidente, e a crise da esquerda numa crise da direita. A data afinal anunciada – 30 de Janeiro — foi demasiado calculada, e por isso não põe termo a todas as polémicas, como teria sido necessário.

Ao país, convém eleições antecipadas. Não convém eleições à pressa. Eleições à pressa ameaçam manter o impasse de que é suposto tirarem o país. É que o poder socialista não causou só a estagnação da economia. Causou também a estagnação da política, ao agregar a esquerda e desagregar a direita. O risco destas eleições apressadas é poderem agravar isso.

O PS pretende crescer à custa do PCP e do BE, como entre 2015 e 2019, quando ganhou 150 000 votos, e os seus parceiros perderam outros tantos. Confia, para isso, em que o domínio que tem exercido sobre o Estado pareça, à opinião de esquerda, um património inalienável. É verdade que tem de apresentar contas certas, devido à dependência externa a que sujeitou o país. Mas mantém a estatização de serviços, e a inquisição que persegue a família Mesquita Guimarães. Em tempos, o PS pensou que só seria grande como partido “charneira”. Agora, não: agora, acredita que será grande enquanto frente das esquerdas, agente da estatização, dos impostos altos e da intolerância woke.

O poder do PS teve, portanto, um efeito de agregação à esquerda. À direita, teve o efeito contrário. Durante o ajustamento, uma parte da direita entrou em pânico com a ideia de governar ou fazer reformas contestadas por um PS sempre poderoso na administração e na imprensa. Paulo Portas tentou fugir do governo, e Rui Rio apareceu ao lado de António Costa a recomendar “entendimentos”. Em 2015, a direita ganhou as eleições, mas perdeu o governo, o que favoreceu a linha dos que, no CDS e no PSD, desejavam renegar Passos Coelho e regressar ao “centro”, designação púdica para a indefinição política e a promiscuidade com o PS. Atraíram elogios (da esquerda), mas não votos: em 2019, o CDS de Assunção Cristas ficou com cinco deputados, e o PSD teve a pior votação desde 1976. Mais grave: PSD e CDS perderam o monopólio que desde 1975 tinham à direita, com o surgimento da IL e do Chega. Num momento em que Costa agregava a esquerda, Rio e Cristas, por incapacidade de enfrentarem o PS, pulverizavam a direita.

A direita importa, porque um país estagnado e envelhecido precisa de reformas que só a direita pode fazer. E a agregação de forças políticas à direita importa, porque para fazer reformas é necessário que, antes, o país acredite que há quem as possa fazer. O ponto de partida tem de estar, obviamente, na determinação de ser alternativa ao poder socialista, e não na busca de acordos com o PS, na ilusão de agradar a todos, ou na distracção hipócrita com os “extremos”. Era por isso que as eleições e congressos previstos no CDS e no PSD também importavam: o CDS corrigiu o caminho em 2020, mas precisava de o confirmar; o PSD poderia corrigi-lo agora.

As eleições à pressa, ao tentarem as direcções partidárias a adiarem os debates internos, confundiram tudo. A questão não é simplesmente a da “legitimidade” de presidentes em fim de mandato. É, acima de tudo, a de saber o que quer a direita. O PSD quer ser bengala do PS, como Rui Rio sugere, ou alternativa ao PS, como Paulo Rangel propõe? O principal adversário para o CDS é o PS, como é para Francisco Rodrigues dos Santos, ou o PSD, como é para o pessoal da direcção anterior? (Rodrigues dos Santos errou ao adiar esse esclarecimento, mas não, como a direcção anterior, ao escolher o adversário principal). Nunca importou tanto sabermos exactamente no que vamos votar. Por isso, se é preciso “sprintar”, como disse Rangel, há que “sprintar”. Haja directas e haja congresso.

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