1 De costas voltadas para o Largo Marquês de Pombal

Em 2017, com Oeiras no foco mediático das eleições autárquicas, mais de 65 mil eleitores não votaram num universo de 147 548. Destes, apenas 34.264 votaram na lista vencedora. Ou seja, quase metade da população elegível não exerceu o seu dever cívico, sendo que apenas 1 em 4 (dos inscritos) votou na força política vencedora liderada por Isaltino Morais.

Dos votantes, importante verificar que a soma dos votos nulos e em branco (4317) foi superior ao número de votos alcançados por partidos com representação na Assembleia República, como o Bloco e PAN, e mais de metade do número de votos alcançado pelo PSD, partido que liderou o concelho até 2005.

Num concelho tido com o maior número de população formada é muita gente de costas voltadas para o Largo Marquês de Pombal, sede do poder executivo local. Este considerável nível de abstenção não é conciliável com a democracia participativa local. É expectável que quem se sinta bem no concelho, dotado de consciência e dever cívico, não se abstenha de exercer o seu direito de voto para garantir o bem-estar referenciado.

Oeiras, apresentando excelentes índices numa série de variáveis de desenvolvimento económico e social, está longe de ser um concelho estruturalmente coeso na sua população. É ainda um concelho heterogéneo nas mais diversas variáveis: do mais rico que vive no Alto do Lagoal ao mais pobre do Bairro dos Navegadores: de crianças com 6 anos com diferenças abissais ao nível das suas competências no início do 1º ciclo, um concelho com fortes assimetrias territoriais – do litoral cosmopolita ao interior com traços rurais e urbanisticamente pobre.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por outro lado, é um concelho onde a condição social de uma criança ainda determina o seu futuro.

2 Um passado de sucesso. Um presente em recuperação.

Nos diversos debates de candidatos aos concelhos mais importante do país, infelizmente, a tónica assenta nas inúmeras promessas para os munícipes sem que se comprometam com o princípio de criar riqueza

Criar riqueza. E saber gerir a riqueza criada com vista á criação de uma comunidade socialmente coesa, territorialmente competitiva e financeiramente sustentável. Eis um princípio do fazer política que pouco ou nada tem tido espaço na discussão pública quando se aborda o princípio da política em Portugal.

Ame-se ou odeie-se, é neste contexto que o actual Presidente da Câmara Municipal de Oeiras alcançou o estatuto de autarca de excelência transversal a todo o espectro político. Oeiras tem hoje o potencial de referência por ser um concelho rico. E apenas sendo rico tem a liberdade para investir no seu território, na melhoraria da qualidade de vida dos seus munícipes.

E para ser um concelho rico careceu de uma visão, de uma estratégia para o efeito. Sendo certo que o concelho já dispunha de condições naturais para o seu potencial – localização geográfica e população com nível de formação superior –, o facto é que não basta ter os ingredientes, é preciso saber fazer o bolo. E nisso, Isaltino foi extramente competente.

O dilema, é que vivemos num mundo em permanente mudança, e a melhoria da qualidade do território veio comportar novos desafios e exigências com vista ao garantir da coesão social local.

3 Um presente envelhecido | Causas e consequências.

Com uma população de 178 mil habitantes, Oeiras é o segundo concelho mais envelhecido na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Entre 2010 e 2019 a proporção da população com mais de 65 anos aumentou em 6 pontos percentuais de 18,9% para 24,5 %, superior à média nacional (22%), segundo a PORDATA.

É um concelho envelhecido. 1 em cada 4 Oeirenses tem mais de 65 anos. Um problema demográfico de relevância, com pouca discussão junto de alguns candidatos. Os mais velhos também importam.

Se por um lado esta realidade demográfica veicula a autarquia a acentuar a sua política de intervenção junto da população sénior – mais residências e universidades sénior, por exemplo – por outro, obriga-nos a ir à raiz do problema no perspetivar das suas consequências, antecipando ruturas a médio-longo prazo.

  • Nenhuma habitação de cariz municipal foi construída desde 2008, não obstante em 2006 o actual Presidente ter prometido 2700 (entre requalificação e construção) até 2015, no âmbito do programa Habitar Oeiras;
  • Enorme dificuldade quer da população mais desfavorecida, quer da própria classe média em aceder a berçários/infantários a preços acessíveis;

No programa eleitoral do actual presidente de Câmara encontra-se a promessa de construção de mais 2 mil casas para habitação municipal, e a custos controlados, até 2030. Já em 2006 foi apresentado, pelo mesmo Presidente, o programa Habitar Oeiras, que previa a construção/recuperação de mais de 2700 fogos. Muitos fogos recuperados para habitação jovem, nem uma casa construída para os mais pobres e classe média. O arrendamento jovem tem sido uma gota de água num oceano de necessidades.

Como consequência, desde o início do milénio, o concelho tem vindo a perder população jovem – descaracterizando a identidade do concelho – que migra para concelhos limítrofes por não ter possibilidade de viver no concelho que os viu crescer. A montante, a realidade pouco digna da sobrelotação de agregados familiares em habitação municipal, criando sérios problemas no crescimento saudável de crianças e jovens, em ambientes socialmente desfavorecidos. Muito da delinquência juvenil e comportamentos desviantes começam aqui.

Outro facto de relevância, a incapacidade do município em dar resposta no acesso a berçários e infantários, a preços acessíveis, que foi, e continua a ser, um do problema que aflige quer a população mais desfavorecida, quer algum segmento da classe média.

Se a implementação do Pré-escolar veio amenizar este problema, o facto é que esta dificuldade se tem verificado nas últimas duas décadas para crianças com idades entre os 6 meses e os 3 anos, com clara implicância na sua socialização primária e, em muitos casos na economia doméstica das famílias, dificultando a melhoria da sua qualidade de vida.

A articulação com a rede privada de berçários e infantários, a exemplo de outros concelhos, é uma boa resposta para que nenhuma criança fique para trás no seu processo primário de socialização e plena inclusão social. Perante este cenário, a condição de origem de uma criança ainda determina o seu futuro em Oeiras.

Em suma, Oeiras tem assistido a uma sangria na perda de população jovem desde o início do milénio, por não encontrarem habitação a preço acessível e por outro, a condição de sobrelotação de famílias em habitação municipal é um claro entrave ao crescimento saudável de crianças e jovens, com manifestas repercussões sociais no seu futuro.

Em ambos os casos o município não tem dado a resposta adequada. A habitação jovem, para além de temporária para quem pretende constituir família, é uma gota de água num oceano de necessidades e há muito que a garantia de acesso a berçários e infantários deveria ser tendencialmente gratuito, num concelho rico, mas envelhecido. O desenvolvimento de Oeiras tem beneficiado os mais ricos e prejudicado os mais desfavorecidos e classe média.

O novo ciclo de desenvolvimento então anunciado em 2017 foi, na sua verdadeira acepção, um ciclo de recuperação face o tempo perdido entre 2005 e 2017.

4 Desafios de futuro | Ser Oeirense, ser Cidadão do Mundo.

Mas não foi apenas em políticas de habitação e apoio à natalidade onde se verificou estagnação. Ao nível da educação, até 2017, foram atribuídas apenas 35 bolsas de estudo/ano para alunos com baixo rendimento per capita familiar. Se em 2020 chegou a mais de 400, no presente ano lectivo tornou-se uma medida extensível a todos os alunos do concelho que dela necessitem. Fica a questão: porquê a aposta tardia nesta medida? Quantos alunos ficaram privados deste apoio num concelho com disponibilidade financeira para o efeito?

Ainda na educação e, consultando o ranking das escolas do concelho é percetível que as escolas secundárias com melhor desempenho são as que se localizam em contextos residenciais mais abastados – famílias com capital social, cultural e económico superior –, contrastando com as escolas com pior performance, próximas de meios socialmente desfavorecidos.

Este não deixa de ser um indicador claro da necessidade de mudança de paradigma de intervenção em particular nos bairros municipais – onde o município tem administração directa, alocando as responsabilidades de mudança para actores sociais locais – nas associações, fomentando a emancipação das suas comunidades.

Foram mais de 150 milhões investidos na construção de novos bairros sociais permitindo o realojamento de 5 mil famílias e mais de 15 mil pessoas. O retorno deste investimento não se pode esgotar na dignidade de atribuição de habitação, no eterno discurso de: “fomos os primeiros a acabar com as barracas”. Isso faz parte do passado.

Infelizmente, nas últimas décadas a política de intervenção tem sido numa abordagem top-down, assente em modelos teóricos desajustados, remetendo estes territórios para a condição de eternos palcos de experimentação social e sociológica.

Tempo de celebrar Contratos Plurianuais de Desenvolvimento Local com as associações locais, com objetivos transversais de emancipação definidos e, em horizontes temporais que não colidam com eleições autárquica, alocando as responsabilidades às comunidades. Mais responsabilização, menos vitimização. A tal política feita com as pessoas, não para as pessoas, decidida pelos mesmos de sempre. Pois, como diria Einstein, insano é procurar obter resultados diferentes continuando a fazer a mesma coisa.

A ambição futura tem de passar pela ambição de bairros municipais de referência em Oeiras. Fazer o que ainda não foi feito. Locais com elevada satisfação residencial, socialmente coesos, culturalmente fortes e atrativos, estando plenamente integrados na malha urbana do concelho. Um dos fortes desígnios para Oeiras, Capital Europeia da Cultura 2027.

5 Capital Europeia da Cultura – uma oportunidade para maior coesão social e reforço da identidade oeirense.

A candidatura de Oeiras a Capital Europeia da Cultura é uma excelente oportunidade da afirmação da identidade oeirense, da cultura popular à erudita. Identidade essa que é plural na sua multiculturalidade, enquanto retrato de uma comunidade com mais de 250 anos de existência.

Da valorização do património histórico material e imaterial ao património edificado eis uma oportunidade de Oeiras se afirmar como polo cultural da Lusofonia com recurso não apenas a artistas e grupos com notoriedade, mas dando palco a artistas locais, pouco reconhecidos dentro do próprio concelho. E são muitos e com muita qualidade.

Por outro lado, se existe algo em que a experiência de dirigente associativo em dois bairros municipais me formatou, e do qual me sinto eternamente grato, é o enorme potencial de transformação e coesão que a vertente cultura pode operar numa comunidade.

Através da música, da dança, da gastronomia, das artes e da própria vertente religiosa, comunidades mais vulneráveis tornam-se mais abertas à restante população que, de outra forma, seria impossível.

É apostar no que une em detrimento do que nos separa.

A unidade na diversidade. Porque a cultura tem o dom de agregar pessoas – independentemente da sua condição social de origem, idade, etnia, credo – em ambientes de confraternização, harmonia, num pleno de comunhão grupal. Um instrumento poderosíssimo na coesão social.

Sebastião José Carvalho de Melo, vulgo Marquês de Pombal, é figura proeminente na história do município e do país, no advento do Iluminismo – notabilizou-se quer na abolição da escravatura, mas também, segundo reza a história, enquanto mentor da inserção da comunidade negra na Administração Pública em Portugal. Um homem à frente do seu tempo que merece a justa homenagem em 2027.

6 Mobilidade | Décadas perdidas com a VIMECA

Em Cascais, circula uma frota moderna de autocarros, eficientes e amigos do ambiente. Em Oeiras circulam autocarros do século passado, nocivos para o ambiente e com pouca oferta de segurança para os passageiros. Para além de um serviço de pouca qualidade – no cumprimento de horários -, as antiguidades dos autocarros têm colocado em causa quer a integridade física dos passageiros, quer da população em geral, com sucessivos incidentes, como deflagrar de fogo nas viaturas durante percursos. Completamente inconcebível e inaceitável para um concelho de excelência.

Durante anos, a obsessão com o SATU ignorou por completo outras necessidades básicas de mobilidade/acessibilidade no concelho. Não se entende como é que um concelho de categoria A 1 conviva com uma operadora de transportador nível E5.

Num concelho onde a larga maioria da população tem no carro o seu principal meio de transporte Oeiras perdeu duas décadas de incentivo ao uso dos transportes públicos, com a disponibilização de uma rede de transportes segura, eficiente e amiga do ambiente. O COMBUS é apenas um complemento.

Felizmente, através da Autoridade para Transportes na AML uma revolução está para chegar já em 2022.

7 Olhar em frente. O melhor está para vir.

Como me vaticinou um distinto colega, “a embriaguez no próprio sucesso cega quem está no poder”. E essa cegueira é potenciada pelos membros da corte que rodeiam “o chefe”.   Tudo o que vem de fora e que possa colocar os seus lugares torna-se em ameaça, não em oportunidade. Nada de novo na Real Politik. A bolha da corte distancia os decisores da realidade local.

Não é por acaso que mais de 60 mil oeirenses não votaram em 2017.

Se para muitos o sentimento de eterna gratidão é merecedor pelo que foi feito no passado há uma nova geração que não encontra feedback nos seus projetos de vida em Oeiras para o futuro.

Se em finais do século passado não era harmonizável a coexistência de parques empresariais, científicos e tecnológicos com bairros de barracas, mais de 30 anos volvidos, Oeiras não pode ambicionar ser centro de Conhecimento e Ciência quando os mais desfavorecidos, os jovens e a classe média não se conseguem fixar no seu concelho por falta de habitação,  a berçários e infantários a preços acessíveis e, justamente, quando não valoriza o seu potencial de identidade cultural enquanto motor de coesão social e territorial.

Que em Oeiras a condição social de origem de uma criança não tenha de ser determinante para o seu futuro.

Num mundo em permanente mudança haja humildade e competência para o efeito.