As elites e os líderes políticos que quiserem continuar a ver nos jornalistas, nos comentadores e nas redes sociais as razões da ascensão do populismo estão apenas a alimentar esses mesmos populismos. Tal como o fazem quando eles próprios caem nas tentações populistas. A pergunta a que temos de responder é: Porque é que hoje mais do que no passado estamos tão disponíveis para ouvir “os cantos das sereias” ou “ a canção do bandido”? Aqui como no resto da Europa e nos Estados Unidos.

Não foi o Facebook que levou Donald Trump ao poder ou que conduziu os britânicos a votarem pela saída do Reino Unido da União Europeia. Como não são as redes sociais que colocam a Itália na perigosa situação em que está, para ela e para os outros países do euro. Nem foram as redes sociais que ditaram o colapso dos partidos tradicionais franceses. Por aqui temos conseguido manter-nos a salvo, destas ondas que ameaçam a democracia e a construção europeia, mas vivemos em permanente risco.

Atribuir à comunicação, seja ela através das redes sociais, seja ela através dos jornalistas ou dos comentadores, as razões do que se tem passado é atacar as consequências em vez de analisar as causas e adoptar medidas para as combater. As ditaduras, como nós bem sabemos em Portugal, também consideram que o mal, de não conseguirem exercer o poder como muito bem entendem, está naquilo que se comunica e nos comunicadores em geral.

Em Portugal, a recente lista de notícias e acontecimentos, não sendo em si de uma gravidade extraordinária – com a excepção óbvia do caso do Sporting –, é susceptível de avaliações éticas e morais que, essas sim, podem ser extraordinariamente ameaçadoras para a estabilidade do sistema de partidos que temos. E que merecem a reflexão das elites e dos políticos.

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Comecemos pelo caso do Sporting que culminou a semana passada numa conferência de imprensa de Bruno de Carvalho, no Sábado dia 19 de Maio, a ser transmitida em directo pela SIC Notícias, sem interrupções e respeitando mesmo os silêncios de Bruno de Carvalho, o que nunca se verifica noutros acontecimentos. Tudo o que se passou nos últimos dias, e que teve como protagonista o Sporting mas poderia ter acontecido com outro clube, corresponde a uma sucessão de acontecimentos violentos no futebol que até se traduziram em mortes. E que foram sucessivamente ignorados. A paixão pelo futebol por parte das elites foi sempre, até agora, superior aos seus valores e até à defesa da lei. Todos pactuaram com claques agressivas e acharam normal que esses grupos tenham de ser escoltados até aos estádios. No meio disto, ver a segunda mais importante figura do Estado, o presidente da Assembleia da República, reagir como reagiu, misturando a sua posição com as suas preferências clubistas e ainda com as investigações da justiça a políticos, revelam bem como o tema é difícil para as elites que gostam de futebol.

Fora do futebol, soubemos que o primeiro-ministro também investe no imobiliário de Lisboa numa notícia em que se levantam dúvidas quanto à lisura da relação com os vendedores. Pode um primeiro-ministro dedicar-se ao negócio do imobiliário? Legalmente nada existe em contrário – nem deve existir. Pode mas não devia, na medida em que as decisões que toma influenciam os preços do imobiliário – não foi o caso, sabemos isso. Não devia ainda porque está a apoiar legislação que pretende combater a subida dos preços do imobiliário em Lisboa e os despejos nas zonas históricas. (No sector do imobiliário valia a pena olhar para o contributo que o paraíso fiscal em que Portugal se transformou está a ter na subida do preço das casas).
Mas as tentações do imobiliário não se limitaram ao primeiro-ministro. O ministro adjunto Pedro Siza Vieira criou uma empresa de compra e venda de imóveis que para azar seu se estreou um dia antes de tomar posse no Governo. Alegando agora que desconhecia que ser sócio-gerente de uma empresa era incompatível com o cargo de ministro, só renunciou recentemente. Corre agora o risco de ter de se demitir. Pelo meio está envolvido na polémica da OPA da CTG sobre a EDP. Depois de ter pedido que fosse dispensado de se envolver no sector, porque o escritório de advogados da qual era sócio tinha como cliente a CTG, é revelado que teve uma reunião com esses mesmos accionistas da EDP dias antes da oferta.

Não está obviamente aqui em causa a legalidade – com excepção do caso da incompatibilidade, em si uma lei que pode ser discutível por pecar por excesso. O que está aqui em causa é a avaliação ética que os nossos governantes fazem (ou não fazem) das suas actuações. A exigência que fazemos aos políticos parece ser enorme mas não é, se levarmos em conta o poder que têm sobre as nossas vidas, sobre a vida do País.
Corremos um risco muito sério de gerar nas pessoas em geral um enorme cepticismo em relação à classe política. O risco de generalização, do encolher de ombros acompanhado pela frase “são todos iguais”. Quando não são realmente todos iguais. Com esse “são todos iguais” surge a tentação de escolher um outro qualquer, apenas porque é contra quem tem estado no poder. No nosso caso, não nos podemos esquecer que o PCP e o Bloco de Esquerda, que funcionavam como o escape do regime, estão hoje também envolvidos no poder. E nalguns casos têm protegido mais o Governo do que o próprio PS. Todos conseguimos facilmente imaginar o que seria hoje o discurso do PCP e do BE perante os dois casos noticiados esta semana.

É tudo isto que mata a confiança nos políticos. A displicência e despreocupação com o que deve ser a actuação ética de um governante. Mas também esse pragmatismo, em que se pode defender uma coisa e o seu contrário sem que se perceba exactamente o que os fez mudar de opinião. Faltam-nos políticos que sejam (ou pelo menos pareçam) genuínos no que dizem e fazem. É tudo isto que está a destruir os políticos do regime e a abrir os ouvidos aos cantos das sereias ou às canções do bandido que vêm dos populistas. Não são as redes sociais nem os jornalistas nem os comentadores. Os nossos políticos andam a tentar suicidar-se.