O Governo anuncia hoje um novo pacote de medidas para mitigar o impacto da crise inflacionista. À hora a que escrevo, esse pacote de medidas ainda não é conhecido. Mas penso que não haverá grandes surpresas. Novas medidas são necessárias. Nisso, o Governo e o PSD estão de acordo. Apoios financeiros às famílias de rendimentos mais baixos, instituições sociais, e às empresas mais afetadas pelo aumento dos preços da energia. O PSD coloca mais ênfase na redução de impostos.

As soluções para os preços da energia devem ser encontradas ao nível da União Europeia. Continuo estupefacto com a ausência de medidas de poupança energética, por parte do Governo e das Câmaras Municipais. Parecem mesmo acreditar que estamos protegidos do terramoto energético que está a assolar a Europa.

Mas espero que haja um aumento das bolsas dos estudantes e um aumento das transferências para as instituições de solidariedade social, que têm um papel essencial no apoio aos idosos mais desfavorecidos e fragilizados. Espero também que faça parte do pacote de medidas do Governo um aumento das pensões de reforma mais baixas, com efeitos retroativos ao início do mês de julho. Os aumentos para o próximo ano, anunciados há uns meses pelo primeiro-ministro António Costa como históricos, não compensarão as carências que hoje muitos idosos estão a viver. E que continuarão a viver até ao final do ano.

Sim, porque no Inverno as necessidades de energia vão aumentar. Não devemos por isso esperar um abrandamento das pressões inflacionistas, nem das dificuldades das famílias e empresas, nos próximos meses. Pelo contrário, são cada vez mais evidentes os sinais de que a Rússia irá cortar o abastecimento de gás à Europa. Se é que já não o fez.

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Neste contexto, como discuti aqui na semana passada, os bancos centrais manterão ou intensificarão os aumentos das taxas de juro para tentar estabilizar a taxa de inflação. Há cada vez mais sinais de que o BCE poderá aumentar em 0,75 pontos percentuais as suas taxas de juro na reunião da próxima quinta-feira. Inevitavelmente, a pressão sobre os juros da dívida dos países mais endividados vai intensificar-se. Sete dos 19 países da área do euro têm uma dívida pública superior a 100% do seu PIB. Na semana passada, os juros da dívida a 10 anos da Itália e da Grécia aproximaram-se novamente dos 4%. Os juros da dívida portuguesa e espanhola aproximaram-se dos 3%. E os juros da dívida francesa estão nos 2%. Apesar do novo mecanismo criado pelo Banco Central Europeu – o TPI, Instrumento de Proteção à Transmissão – é de esperar que a pressão sobre as taxas de juro dos países mais endividados se mantenha. Num cenário de recessão, que a política anti-inflacionista do BCE torna mais provável, poderão surgir dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida de alguns destes países. Incluindo Portugal.

As taxas de juro Euribor, que determinam o custo do crédito às famílias e às empresas, deverão também continuar a aumentar. Como sabemos, o problema do elevado endividamento da economia portuguesa não se fica pelo Estado. Também as famílias e as empresas estão entre as mais endividadas da União Europeia e, por isso, muito expostas aos aumentos das taxas de juro.

A política monetária muito benévola do BCE na última década, que resultou em poupanças de muitos milhares de milhões de euros para a economia portuguesa, acabou. Cabe agora à política orçamental garantir a proteção das famílias e empresas mais expostas à crise inflacionista que enfrentamos. No entanto, a vulnerabilidade de uma dívida elevada, num contexto de aumento das taxas de juro, obriga a manter uma estratégia de consolidação orçamental.

A política orçamental terá de fazer escolhas. O enfoque estará na sustentabilidade da dívida pública? Ou a prioridade será o apoio às famílias e empresas? Será nesta escolha que se centrará o debate político nos próximos meses.

Por agora, as famílias e as empresas têm pago a fatura, cada vez mais elevada, desta crise. O Estado tem aproveitado a inflação para melhorar as contas públicas. O aumento das despesas das instituições públicas com a energia está a ser acomodada com cortes noutras despesas. As notícias da execução orçamental mostram que, mais uma vez, o garrote das finanças continua bem apertado, seja na saúde ou no ensino superior. Por outro lado, as receitas fiscais continuam a beneficiar do bom desempenho da economia e da inflação: os preços mais elevados que todos pagamos alavancam as receitas dos impostos. No final do ano, Portugal irá alcançar uma redução histórica do peso da dívida pública no PIB, aproximando-se dos valores anteriores à pandemia Covid-19. Ou seja, a redução da dívida pública deverá ir bastante além das previsões do Orçamento do Estado de 2022, aprovado no final de junho. Estas são boas notícias.

No entanto, num país em que cerca de 20% da população já vive em situação de pobreza, a perda de rendimento provocada pelas elevadas taxas de inflação pode gerar uma calamidade social. Uma calamidade social silenciosa. Porque os mais vulneráveis, e que já estão a passar grandes dificuldades, não têm voz na sociedade portuguesa, como vimos com o fecho das escolas durante o período da pandemia Covid-19. É neste grupo social que se devem centrar os apoios dos pacotes de medidas.