Yevgeny Prigozhin terá morrido. Viajaria a bordo de um Embraer, de Moscovo para São Petersburgo, acompanhado de seis elementos de topo do Grupo Wagner, entre os quais Dmitry Utkin, e três tripulantes. O avião despenhou-se a norte de Moscovo aos três minutos de voo. Explodiu ou terá sido abatido. Não sabemos. Mas a bola de fogo de um depósito cheio de combustível foi exuberante no céu. Adversativa. As causas?

Durante uma noite e um dia, Yevgeny Prigozhin encabeçou um motim. Xeque ao Rei. A população, como então vimos num incansável loop televisivo com imagens de Rostov, saiu à rua, saudou e tirou selfies com os mercenários como se fossem estrelas da pop. E acenou-lhes à partida sabendo que o comboio militar se dirigia para Moscovo. Aquele comportamento não foi o de quem tem medo de uma mudança de regime ou a condena. Nem durante a marcha vimos resistência ao avanço, quer por parte do exército quer por parte da população.

Foi neste espelho de fraqueza estrutural e impopularidade que Putin se viu. A ferida há-de ter sido funda – para alguns o dano do espelho é incomportável. E é preciso somar-lhe o mar de equívocos que a invasão da Ucrânia revelou: informação deficiente, má logística, preparação insuficiente, não adesão voluntária do povo, ninguém correu a alistar-se. A imagem de Putin e do seu poder foi rasgada dentro e fora da Rússia.

Prigozhin jogou e perdeu. Estava morto desde a hora em que interrompeu a sua marcha sobre Moscovo. Não é relevante, a não ser para a justiça, se escapou ou não daquele avião com vida, se simulou ou não a sua morte, se foi abatido, se estava, afinal, no segundo avião que aterrou. Putin declarou na televisão pública que os «organizadores da rebelião traíram o país, o povo (…)». Sem nomear Prigozhin chamou-lhe traidor. Não se é o homem forte do Kremlin, o bruto entre os brutos, perdoando traidores. Estava morto.

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Não o salvaguardou ser o avançado da Rússia de Putin em África e o rosto da sua fortíssima influência no continente, onde a rede criminosa que dirigia se aliou aos regimes mais vis e contra a população. Antes pelo contrário. Assegurar o poder em disputa na República Centro-Africana, no Mali, no Congo, e os vastos recursos a saque, colocaram-no em rota de colisão, mais uma vez, com o Ministério da Defesa e Putin. No que à África diz respeito, resta saber durante quanto tempo mais essa influência se manterá com a perda dos cereais ucranianos.

No dia 11 de Agosto li, como sempre leio, o Financial Times. E como em todas as semanas li Lunch with the FT. Desta vez a entrevista ao almoço foi de Edward Luce a Christo Grozev, extraordinário jornalista de investigação búlgaro, director executivo e responsável de investigação de Bellingcat, especialista em ameaças de segurança, operações clandestinas e desinformação e propaganda. Nessa entrevista Grozev afirmou «dentro de seis meses ou Prigozhin estará morto ou haverá um segundo golpe de Estado». Esta declaração viajou pelos jornais de todo o mundo. Hoje, quando passam exactos dois meses sobre a rebelião de Yevgeny Prigozhin, e se sabe da predileção de Putin por datas especiais, a sua predição confirmou-se. O recado está dado: parabéns, traidor.

Infelizmente, não viajou com igual notoriedade, ainda que se confirme todos os dias, a afirmação de Grozev que também eu aqui mil vezes enuncio: a extrema-esquerda e a extrema-direita no ponto em que as suas convicções se tocam, como no apoio ao esforço de guerra da Ucrânia, não servem às democracias liberais, mas, direta ou indiretamente, aos regimes autocráticos e cleptocráticos, uns por convicção num inexistente ideário socialista, os outros a troco de financiamento. Idiotas úteis, ambos.

É oficial. Acabou o Verão.