O Reino Unido é, na Europa, o país onde o wokismo é mais visível, mais contundente e absurdo nos seus exageros. O que nesta área lá se passa é, por um lado, excepcional, pelo peso desmesurado que os woke lá têm, mas, por outro lado, é um farol ou um aviso do que, ainda que de forma mais atenuada e protelada no tempo, poderá vir a passar-se noutros países da Europa Ocidental.

Vem este preâmbulo a propósito do seguinte: há mais de 20 anos que activistas woke, tanto a título individual como associados em organizações — nomeadamente a Caricom, que agrupa 15 países das Caraíbas —, pressionam o governo de Londres para que peça oficialmente desculpa pelo envolvimento britânico na escravatura e para que pague reparações por esse facto. Londres continua a não dar ouvidos a esse tipo de pressões. Inquirido no Parlamento, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak recusou frontalmente o pedido de desculpas e, evidentemente, as eventuais reparações.

Mas enquanto o governo britânico resiste muito compreensível e adequadamente à pressão e à chantagem moral que os acólitos do wokismo exercem sobre o país, há várias entidades e cidadãos(ãs) britânicos(as) a pôr a corda ao pescoço, a vestir o hábito de penitente e a ceder jubilosamente a essa pressão e chantagem. Em Fevereiro de 2023, uma conhecida pivô e jornalista da BBC, tornou público que iria doar 100 mil libras para projectos comunitários na ilha de Granada como forma de reparação pela ligação de remotos familiares seus à escravatura e a plantações de cana-de-açúcar na ilha. E fez mais: abandonou a BBC para dedicar o seu tempo a campanhas públicas em favor de reparações pela escravatura. No seguimento da sua decisão, mais de 100 famílias britânicas com antepassados envolvidos no sistema escravista comprometeram-se publicamente a disponibilizar importantes quantias como forma de se purgarem desse pecado e de ajudarem as antigas colónias britânicas nas Caraíbas. Acresce que a Igreja Anglicana criou um fundo de 100 milhões de libras para ajudar esses países e que, no início de Novembro, a Lloyd’s de Londres, a maior seguradora do mundo, veio assumir publicamente que iria despender 52 milhões de libras em programas de apoio como forma de reparações pela ligação que, no passado, a companhia teve com o tráfico transatlântico de escravos e a escravidão.

É verdade que tudo isto frustra um pouco as intenções dos activistas woke, visto não ser exactamente aquilo que exigiam. Na verdade, preferiam ter sido eles a decidir os montantes das reparações e queriam, em vez de programas de apoio social ou educativo, dinheiro vivo pago directamente aos descendentes de escravos ou a quem os representasse, como algumas cidades norte-americanas fizeram ou irão fazer. Preferiam, além disso, ter chegado a um acordo global com o governo britânico em vez de serem polvilhados por estas medidas parcelares de particulares. Porém, se tudo isso é verdade, por outro lado esta disponibilidade de muita gente no Reino Unido para pagar compensações por situações ocorridas há dois, três ou quatro séculos, abre-lhes um manancial de inesperadas oportunidades.

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Não surpreende por isso que os activistas woke queiram agora assumidamente contornar o Estado britânico que, ano após ano, resiste às suas pressões, para irem literalmente bater a outra porta, isto é, pressionar directamente famílias e organizações privadas — bancos, colégios, universidades, seguradoras, firmas comerciais ou industriais, etc. — que tiveram uma qualquer forma de envolvimento e de ganho material com a escravatura. E vão começar pelo topo, exigindo reparações à família real britânica. Como diz um dos advogados encarregados de defender os interesses dos woke da ilha de Granada, nas Caraíbas, “ele (Carlos III) deve disponibilizar algum dinheiro. Não dizemos que deva privar-se, e à sua família, de comida, mas também não estamos a pedir ninharias. Acreditamos que podemos sentar-nos à roda de uma mesa e conversar sobre formas de reparação justas.

Em conformidade, o rei receberá, até ao fim deste mês de Dezembro, um pedido oficial para iniciar conversações. O mesmo acontecerá a outras pessoas e entidades. Os woke acreditam que, por essa via, ultrapassando o governo pela berma da estrada e podendo formalizar acordos indemnizatórios com várias individualidades e instituições britânicas, acabarão por condicionar o próprio governo a ceder e a fazer, também ele, um acordo. Ou seja, no que desde já se anuncia como um ano farto, preparam-se para colher o que semearam. Após décadas de constantes campanhas de culpabilização do homem branco e de doses massivas de acusações despejadas para dentro da sociedade britânica, viram tudo isso frutificar nas cabeças de muitos ingleses, escoceses, galeses, que agora se flagelam, agitam bandeiras brancas e abrem os cordões às bolsas para comprar indulgências por pecados que não cometeram. Com tão fraca gente, com tanto precedente aberto, é evidente que o governo britânico vai perder força política e será provavelmente apanhado por trás pela quebra da sua retaguarda.

Esta nova estratégia woke deve pôr-nos de sobreaviso. Portugal é muito diferente do Reino Unido, bem sei. O nosso governo não está, para já, sujeito a uma pressão similar nem temos por cá, felizmente, um número perigoso de fanáticos do wokismo. Mas não é absolutamente garantido que fique assim para sempre. O que se vê na casa dos outros deve fazer-nos redobrar esforços para contrariar este veneno ideológico. Como o exemplo britânico mostra, esse é um combate que se vence — ou se perde — no campo da opinião pública. E para o vencer é necessária uma narrativa que, ao contrário da narrativa woke, seja historicamente informada e equilibrada, estruturalmente verdadeira e pelo menos tão convincente como ela.

Será esse o tema do meu próximo artigo.