O director-geral de Saúde, Francisco George, compareceu misteriosamente na inauguração do Instituto Confúcio da Universidade de Coimbra, onde anunciou estar-se no “tempo certo” para instalar “práticas tradicionais, incluindo a farmácia tradicional chinesa”, nos hospitais portugueses. Fê-lo perante o reitor da Universidade de Coimbra, o reitor da Universidade de Medicina Chinesa de Zheijiang, do embaixador da China em Portugal e de “uma plateia composta essencialmente por público chinês”, a acreditar no Económico.

Para quem não sabe, os institutos Confúcio que vão nascendo por aí como cogumelos, arrimados às nossas universidades, pouco diferem dos “institutos” e “escolas” que todas as nações imperiais da velha Europa semearam pelo mundo, para edificação dos indígenas e marcação de território. Tirando duas ou três actividades mais exóticas, como o “recorte em papel de arroz” e a “pintura de máscaras da ópera de Pequim”, os objectivos são os de sempre: ensinar a “língua e cultura chinesas” e servir como “plataforma de cooperação” para universidades e empresas. Nada de mal virá daqui ao mundo.

O recém-inaugurado Instituto Confúcio da Universidade de Coimbra, contudo, ao contrário dos outros já existentes em Portugal, quer ser também um “espaço” para a “promoção” da “medicina tradicional chinesa”. Uma pretensão inteiramente legítima. O que não parece legítimo é que o senhor director-geral de Saúde tenha sancionado com a sua presença e o seu verbo essa “promoção”. A medicina ocidental deixou-se de crendices e “sabedorias tradicionais” no século XIX, quando abraçou a ciência. Os seus métodos de diagnóstico e tratamento são longamente testados e avaliados e a sua aprovação segue complexos e exigentes procedimentos de validação. Os medicamentos são aprovados por entidades públicas independentes e os seus efeitos são monitorizados. Em qualquer altura podem ser reavaliados e, no limite, retirados do mercado.

A “medicina tradicional chinesa”, que se saiba, não tem nada disto. Aliás, não tem jeito nenhum. Uma busca por “chinese traditional medicine” na base de dados Cochrane, que realiza revisões sistemáticas dos estudos existentes sobre os mais diversos temas médicos, avaliando tanto a qualidade dos estudos como os seus resultados, não fornece qualquer evidência “sólida” da eficácia dessa “medicina tradicional”. Quer dizer que lhe não acharam vestígios de eficácia superior, digamos, ao chá de cidreira que a minha avó costumava prescrever “para os nervos”. É esta medicina que o senhor director-geral de Saúde quer ver nos hospitais portugueses.

Não vou supor obscuras motivações ao senhor director-geral. Sei só que a sua atitude é intoleravelmente coincidente com um certo discurso “pós-moderno”, “alternativo”, “aberto à diferença” e ao “outro”, que assenta, de facto, num pensamento não científico e na falácia da “equivalência”: de culturas, de gostos, de valores e de métodos. E que, em Coimbra, ambos apareceram de braço dado com interesses económicos que, discretamente, nos vão comprando os anéis. Tudo bem, mas não nos levem os dedos. O SNS não é um albergue espanhol nem uma igreja ecuménica. Não é tolerável que o Estado suporte crendices à custa do erário público.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR