Se hoje alguém se atrever a fazer as contas à sua potencial reforma (há simuladores para isso nos portais da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social), apanhará um valente susto. Nem convido os leitores a fazê-lo, pois não quero ficar com o remorso de causar indisposições. Na verdade, o “mundo” já mudou para todos os que ainda estão no ativo.

Para que o “Cosmos” se mantenha organizado, quando alguma coisa muda, seja a montante ou a jusante, todas as demais se ajustam a essa mudança. E esta, a mudança, é a coisa mais verificável e certa que teremos nas nossas vidas. É assim desde o princípio das coisas, como Heráclito (filósofo grego) reconheceu: “as mudanças ocorrem simultaneamente ao rio que corre…” e o nosso maior escritor referiu: “Todo o mundo é composto de mudança”.

No século passado, conseguimos criar e desenvolver um Estado de bem-estar social resultante de um compromisso histórico entre as classes trabalhadoras e os titulares do capital, tutelado pelos legítimos governantes, que – entre outros apoios sociais – providenciava pensões de reforma e aposentação a todos, mesmo aos que nunca tinham contribuído para o sistema. A base da pirâmide demográfica permitia isso mesmo. Todas as Constituições do Ocidente positivaram medidas semelhantes, independentemente das variantes que possam ter sido introduzidas e todos os países em desenvolvimento trilharam esse caminho da prosperidade social.

Estávamos a sair da Segunda Guerra Mundial e esse compromisso social era importante para a construção de sociedades mais justas e desejosas de progresso. Este chegou sobre variadas formas, uma delas o aumento da esperança média de vida.

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A esperança de vida aumentou consideravelmente (entre nós está agora nos 78 anos para os homens e 83 para as mulheres). Só na última década, a esperança de vida cresceu em Portugal mais de um ano (se descontarmos a pandemia covid-19). Paralelamente, com a esperança de vida a aumentar, diminuiu abruptamente a natalidade, deixando a pirâmide demográfica de ter base, ou melhor, deixando de ser pirâmide para passar a ter a forma de um “cogumelo com pés de barro”, com muitos idosos e poucos jovens. Há municípios onde já há mais de 5 idosos por cada jovem…

Sendo verdade que passámos, num primeiro momento, a ter mais contribuintes para o sistema de pensões, desde logo pela emancipação da mulher que passou a trabalhar (para além dos trabalhos domésticos e pequena agricultura) e a realizar os competentes “descontos”, também é verdade que os apoios sociais cresceram muito, tendo passado a abranger subsídios e apoios diversos (desemprego, abonos de família, apoios à maternidade e à saúde, apoios à habitação, etc.).

Ora, face ao conjunto de mudanças, sobretudo as demográficas, foi imperioso lançar mão de uma série de medidas corretivas, algumas das quais só agora vão fazer-se sentir. Das medidas mais importantes destacamos que foi necessário aumentar o esforço de cada um para o sistema e foi igualmente imperativo aumentar os anos em que esses mesmos descontos ocorrem, empurrando as idades de aposentação para bem mais tarde, ao mesmo tempo que se diminuíram os valores das pensões, em percentagem do último rendimento obtido. Tudo em nome de uma sustentabilidade do Estado-Social que todos desejamos tenha futuro.

Obviamente que muitas outras políticas foram já sendo tomadas paralelamente, nas últimas décadas, em ordem a atenuar os efeitos da inevitável mudança: estímulos para planos de poupança reforma privados, seguros de saúde privados (quantas clínicas privadas de saúde abriram mesmo na última década?!), diminuição dos abonos de família, congelamentos de pensões, atrasos na apreciação dos processos de aposentação, aumento da fiscalidade sobre os rendimentos…

Se hoje alguém se atrever a fazer as contas à sua potencial reforma (há simuladores para isso nos portais da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social), apanhará um valente susto. Nem convido os leitores a fazê-lo, pois não quero ficar com o remorso de causar indisposições. Na verdade, o “mundo” já mudou para todos os que ainda estão no ativo.

Mas, chegados aqui, a 2023, com todas as fragilidades que a ordem internacional apresenta, com todos os riscos que advêm de uma natalidade fraca, com a saída de jovens qualificados do país, e com o aumento da procura de apoios sociais, o que podemos esperar da sustentabilidade da segurança social?

Carreiras mais longas? Maiores descontos do que os atuais? Cuidado com estas soluções. Os jovens já começaram a “votar com os pés”, procurando Estados da União Europeia que sejam mais amigos dos seus direitos e remunerem melhor as suas capacidades e competências. A saída dos mais qualificados intensificará o risco de insustentabilidade…

Não serão, pois, fáceis as soluções, nem serão isentas de dor. Uma coisa é certa, as carreiras vão ser muito mais longas do que as atuais. Para já habituemo-nos a trabalhar mais anos, até porque em muitas profissões não haverá pessoas para substituir os que se reformam; mas também para complementar as cada vez mais fracas pensões de reforma e fazer face ao crescente custo de vida. São tempos diferentes para toda uma geração que está a 5 ou 10 anos da reforma. Para os outros também, mas esses não pensarão muito nisso, felizmente, para eles e para nós.