1 É verdade que somos um povo pessimista por natureza, que tem o fado como canção nacional e que tende a ver mais o copo meio vazio do que meio cheio — a tragédia é uma idiossincrasia nacional. Os últimos 20 anos têm dado fundamento para ver o futuro exclusivamente a negro.

Prova disso é a última sondagem do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa publicada este sábado no Expresso que revela indicadores claros de como os portugueses não vêem soluções nos próximos 10 anos para invertermos a estagnação e o empobrecimento relativo do país face aos nossos parceiros europeus:

  • 50% dos inquiridos diz que a qualidade de vida vai piorar, enquanto que 27% vota pela estagnação;
  • 44% acredita que o nível de vida vai descer, já 28% diz que vai ficar tudo na mesma;
  • 42% defende que ficaremos mais pobres face à Europa e 35% acredita que não vamos sair da cepa torta;
  • 37% crêem que a qualidade dos serviços públicos vai piorar, sendo que 35% acredita no mesmo destino para o SNS. Apenas no item da qualidade do ensino da escola pública é que os otimistas suplantam os pessimistas;
  • Pior do que tudo: 77% e 69% dos inquiridos defendem que os impostos e a dívida pública vão aumentar. E, no final desse crescimento de recursos públicos, 66% acredita que o fosso entre ricos e pobres vai agravar-se.

São números verdadeiramente impressionantes e que revelam que os portugueses não têm praticamente esperança no futuro.

2 Não deixa de ser de extraordinário que, ao fim de 6 anos de um Governo do PS que teve o Estado como centro da política económica — e o coloca no centro do investimento do Programa de Recuperação e Resiliência e do Portugal 2030 —, este grau de pessimismo persista.

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Mesmo quando o primeiro-ministro António Costa jura a pés juntos que a pandemia provou o papel insubstituível do Estado e a ministra Marta Temido grita para quem a queira ouvir que temos o melhor SNS do mundo — os portugueses simplesmente não acreditam.

Concentremo-nos apenas na Saúde — uma área que os portugueses já encaravam nos inquéritos de opinião como fundamental antes da pandemia. O Estado gastava em 2000 cerca de 5,9 mil milhões de euros no SNS, sendo cerca de 2,5 mil milhões destinava-se a pessoal. Passados 19 anos (antes da pandemia, portanto), a fatura do SNS praticamente tinha duplicado para cerca de 11 mil milhões de euros, com 4,4 mil milhões concentrados em pessoal, segundo dados da Pordata.

E tínhamos antes da pandemia um SNS com uma qualidade a dobrar? Não, não tínhamos. Entre listas de espera e promessas governamentais totalmente falhadas de um médico de clínica geral para cada português, a classe média governava (e governa) a sua vida com base num axioma simples: um problema simples é tratado num hospital privado com celeridade e eficácia; um problema complexo leva o utente ao calvário dos hospitais públicos.

Na prática, a classe média portuguesa paga a dobrar: a saúde e educação públicas com impostos e a privada do seu bolso porque o Estado não consegue providenciar serviços com qualidade naquelas duas áreas.

3 Foi a percentagem que mais me surpreendeu na sondagem do ICS-ISCTE: 77% acreditam que vão pagar mais impostos nos próximos 10 anos. É quase como se fosse um fatalidade pagar mais impostos para alimentar um Estado ineficiente a distribuir riqueza e cada vez mais desigual.

É verdadeiramente impressionante analisar a curva das receitas dos impostos do Estado per capita — e concentro-me apenas nos últimos 20 anos. De 2.496 euros em 2000 passamos para 4.197 euros em 2020, o que corresponde a um aumento de cerca de 60%. Repito: 60%! Se o caro leitor tiver sentido um aumento na qualidade dos serviços públicos na mesma ordem de grandeza, envie-me um email, sff.

O que nos leva uma espécie a uma afirmação em loop que o PS e o PSD costumam repetir consoante alternam no poder: os portugueses pagam menos impostos do que a média da União Europeia (UE). Por exemplo, apesar da carga fiscal ter atingido um novo recorde de 34,8% do PIB em 2020, continua abaixo da média da UE que foi de 38,6%. Isto em números absolutos.

Se tivermos em consideração o poder de compra de cada um dos países da UE (o que se justifica porque estamos no 20.º lugar em 27 países), a conversa já é outra: Portugal foi o quatro país com mais impostos em 2019, segundo a OCDE. No ano seguinte, novo estudo indicava uma posição cimeira com a novidade de sermos uma exceção na regra de um baixo PIB per capita corresponder igualmente a baixos rácios de impostos.

Como nenhum partido tem coragem para reformar o Estado, a necessidade de receita fiscal não pára de aumentar — ao contrário dos salários e da produtividade. Somos dos países europeus que menos rendimento líquido providencia aos seus trabalhadores e que tradicionalmente mais taxa o consumo com impostos indiretos. E, claro, fomos dos poucos países que não reduziu os impostos sobre o trabalho em ano de pandemia. Logo, não admira os 77% da sondagem do Expresso.

4Este pessimismo dos portugueses pode representar uma oportunidade, particularmente para o centro-direita — a única área política que pode ter uma abordagem reformista. O país está cansado de António Costa porque tivemos mais seis anos perdidos, tal como já tínhamos tido outros tantos com António Guterres Durão Barroso e José Sócrates. Seis anos em que se distribuiu o que se amealhou nos anos da troika, sem cuidar de criar condições para voltarmos a crescer de forma sustentável acima da UE.

Do pouco que foi possível fazer fora do espartilho da troika, o Governo de Passos Coelho foi único que tentou transmitir uma ideia para o país mas com o enorme erro de querer reformar sem comunicar e sem dar um horizonte de esperança aos cidadãos. É fundamental que o centro-direita aprenda essa lição.

São estudos de opinião como os do Expresso que reforçam a minha convicção de que o país está aberto a uma proposta reformista em que a esperança seja mesmo a palavra-chave.

Aliás, se olharmos para a história, percebemos facilmente que as três maiorias absolutas do centro-direita até agora foram fruto de uma forte necessidade de mudança política perante um país mergulhado no caos pós-revolucionário (1979/1980) e perante graves crises económico-financeira (1985/87 e 2011).

A situação que vivemos hoje não é o imperativo do fim da tutela militar nem é uma emergência financeira. É a necessidade de rompermos com o ciclo de empobrecimento por via de um novo modelo de desenvolvimento económico. Ora, o PS não tem outra solução económica que não seja a distribuição de riqueza pela mão do Estado.

É por isso que os partidos do centro-direita (PSD, CDS e Iniciativa Liberal) não podem nem devem ter receio de apresentar um programa económico com ideias ousadas e fora da caixa que promovam a base da esperança: crescimento económico por via da redução da carga fiscal para captar investimento estrangeiro e aumentar o poder de compra.

Que se percam os complexos e se avance para propostas concretas que melhorem a vida dos portugueses.