Uma das queixas recorrentes em eleitorados é que, por vezes, é difícil distinguir ideias entre partidos políticos, principalmente quando se encontram perto no espectro político. Na Europa continental, por exemplo, são normais questões sobre quais as diferenças entre a social-democracia e o liberalismo social. Ou entre verdes e socialistas. Ou entre o trotskismo e o marxismo-leninismo. Já no Reino Unido são mais óbvias as diferenças, graças a existirem dois grandes partidos que dominam a paisagem política.

Do outro lado do Atlântico, Republicanos e Democratas sempre foram as duas opções para uma esmagadora maioria dos que votam. As ideologias de governação foram mudando, com os Democratas a tornaram-se um partido populista, com a introdução do New Deal, o Civil Rights Act, a instituição do sistema de saúde Medicare e mais tarde o “Obamacare”. Com uma aposta na economia de mercado regulada pelo governo, a justiça social e as ações afirmativas, e agora, com o Presidente Biden, a aposta numa maior intervenção governamental para estimular a economia, a produção de empregos e a defesa do ambiente. Os Republicanos, entretanto, tornaram-se num partido neoliberal, neoconservador, com a ideia fixa de reduzir o tamanho do governo no que se trata de benefícios, enquanto reduzem impostos para os ricos e grandes empresas. Uma revolução reaganiana e um contrato com a América seguido de duas administrações desastrosas do pai e filho Bush, onde o Bush filho desbaratou “tesouro e sangue” com guerras de escolha.

Porém, foi a eleição do primeiro negro como Presidente dos Estados Unidos que fez com que o partido Republicano começasse a assumir os contornos que tem hoje, na “era Trump”. O Tea Party Movement, que supostamente nascia como um movimento fiscal-conservador, não era mais do que uma cortina de fumo para as motivações que os animavam: as queixas de brancos, sem educação universitária, rurais, e conservadores que reagiram mal ao facto de a América ter eleito Obama, e preparar-se para eleger Hillary em 2020. É nesse caldo que emerge Trump, o trumpismo, a America First (ou re-emerge no caso destes) e a MAGA. Esta nova geração de republicanos resulta em políticos eleitos que não tencionam governar ou prestar serviço público. O objectivo é serem serem ignóbeis, cruéis e grosseiros para serem chamados para falar na FOX-News ou na Newsmax. Estes não são atores fiáveis, ou sensatos, ou com o interesse de todos os Americanos nas suas prioridades. A ideia é agradar à base do partido, por muito pequena e a mirrar, mesmo que estes peçam a destruição da União e das alianças transatlânticas, ou do crédito da América na economia mundial ou como garante da defesa da democracia liberal pelo globo.

E à medida que se caminha para 2024, a diferença começa a ser cada vez mais óbvia. A campanha Trump, que assume que mesmo que este seja preso (o que é duvidável) será o nomeado pelo Partido Republicano para concorrer à presidência, tem uma wishlist que deixa envergonhado um Putin ou um Orbán: o total desmantelamento do sistema de governação atual para uma centralização de poderes no Presidente.

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Independência das instituições? Gone. Num segundo mandato, Trump quer ter o direito, e a possibilidade, de poder dizer ao Departamento de Justiça quem deve investigar e indiciar, algo que não acontece desde Watergate. A Federal Trade Comission passará a responder apenas à Casa Branca, para sanar alguma situação onde esta organização zele pelos interesses dos consumidores e não das grandes empresas. A Federal Reserve passará a ser mais um instrumento de governação do Presidente, para alterar as regras de jogo da economia (americana e mundial) e servir as suas ambições políticas.

A separação de poderes? Gone. O que é proposto ao eleitorado é um presidente com capacidade de controlar o orçamento, recusando, se quiser, que verbas alocadas sejam gastas. Dinheiro para a transição verde (e que os Estados Unidos bem precisam), com investimentos em energias renováveis, serão bloqueados e desviados para obras reclamadas pela base e lobistas: muros na fronteira ou extração de mais gás e óleo em terras protegidas.

Funcionamento do sistema governativo com experts, baseado em regras e ciência? Gone. Substituídos por obsequiadores que farão o que o dono mandar, mesmo que seja contra normas ou leis.

Missão dos serviços de inteligência e segurança, das forças armadas, de organizações como o FBI? Gone. Tudo ao serviço da proteção de quem tem poder, seja para não ser contrariado ou para se perpetuar.

John McEntee, o ex-assistente particular do Presidente Trump, que foi responsável pelo Personnel Office da Casa Branca onde se recruta os potenciais nomeados para cargos políticos (os 4.000 que o governo federal acomoda), agora na campanha Trump, coloca a escolha de uma forma muito clara: “O ramo executivo [do governo americano] foi concebido por liberais para a promulgação de políticas liberais. Não há maneira de fazer com que a estrutura existente funcione de uma forma conservadora”. Conservadora aqui leia-se autoritária, em atropelo à Constituição e ao sistema de checks and balances. Uma ideia que tem admiradores entre os legalistas na casa de horrores que é a Federalist Society, que suspiram por uma Presidência (desde que seja um republicano no poder) sem entraves e sem explicações a dar a opositores políticos ou à sociedade em geral.

A eleição é assim clara. Os Estados Unidos, com uma democracia liberal governada por valores universais, progressistas, inclusivos. Ou um protoditador que governará apenas para os que em si votaram, ou para aqueles que lhe pagam para ter benefícios?