Depois das legislativas, fico sempre impaciente à espera que o primeiro-ministro anuncie a composição do novo governo. É uma espécie de pré-época do futebol, quando chegam as novas contratações. Virá um novo avançado para apuparmos sempre que falhar um golo à boca da baliza? E um guarda-redes que se vai revelar especialmente frangueiro nos jogos contra os rivais? E o médio defensivo que só dá pau, fica na equipa e é promovido a capitão? E quantas mais analogias entre elenco governativo e plantel de futebol se conseguem fazer antes de maçar? Nenhuma? Certo.

Dentro de duas semanas vamos saber quem é que António Costa escolheu para o acompanhar no XXIIIº Governo Constitucional. Até lá, é natural que jornalistas e comentadores avancem com palpites. Analistas mais focados na questão política tentam perceber que papel está reservado para os quatro herdeiros de António Costa. Mariana Vieira da Silva sai reforçada com um super-ministério? Pedro Nuno Santos mantém-se a tratar da TAP? Fernando Medina e Ana Catarina Mendes recebem pastas fáceis ou vão ser mesmo obrigados a trabalhar?

Outros, mais interessados na gestão do PRR, procuram adivinhar quem será o Ministro da Economia. Siza Vieira fica ou é substituído por um esbanjador ligado ao partido? Para distribuir dinheiro não convém ter lá um independente. E há quem tente adivinhar que militantes com relações familiares entre si é que se sentarão no próximo Conselho de Ministros.

A mim, nada disto interessa. Borrifo-me nas guerras internas do PS, no nepotismo e na economia. Tudo é secundário face à minha única preocupação: quem é que vai ser o Eduardo Cabrita deste Governo? Quem é que vai ser o ministro com a pasta da inimputabilidade? Todos os governos precisam de um membro que fique responsável por, de tempos a tempos, praticar uma idiotice que faça os eleitores pensarem: “Olha, afinal aquela ministra não é uma abécula assim tão grande. Repara no Cabrita”. No fundo, alguém que desvie as atenções dos colegas e concentre em si toda a infâmia da estupidez governativa. Um pária-raios. Não é fácil, atenção. É preciso um talento especial para acertar o timing das intervenções ofensivas, assim como é preciso ter uma vigorosa resistência ao ridículo e uma desfaçatez olímpica para encarar câmaras e microfones com à-vontade e sem vergonha. Ao longo de seis anos, Eduardo Cabrita soube ser um estupendo Eduardo Cabrita de dois governos. Quer embirrando com os GNR que o protegiam, mas que lhe incomodavam o cão; quer atrapalhando-se com as golas anti-fumo; quer garantindo que Marcelo só era Presidente porque ele tinha impedido incêndios trágicos; quer espalhando-se ao comprido no homicídio do cidadão ucraniano; quer na invasão do Zmar; quer na forma como geriu o caso do atropelamento na auto-estrada, procurando culpar o morto, tudo para se eximir a responsabilidades. Mesmo agora, depois de ter saído do Governo, Eduardo Cabrita continua a eduardocabritar com mestria: descobriu-se que mentiu no Parlamento. Por coincidência, o mesmo Parlamento onde o primeiro-ministro garantiu que ele era um “excelente ministro”.

António Costa precisa de um Eduardo Cabrita que proteja o seu governo. Mas quem poderá desempenhar esse papel? Quem reúne em si os atributos para ocupar um cargo tão importante? Ainda é cedo para dizer, mas nos últimos dias foram lançadas algumas candidaturas oficiosas. Até agora, a mais sólida é a de João Pedro Matos Fernandes, que, parece-me, tem todas as condições para se tornar num bem sucedido Eduardo Cabrita. No momento em que enfrentamos uma seca e temos das electricidades mais caras da Europa, a decisão de Portugal adiantar o encerramento das centrais a carvão está a revelar-se desastrosa. O fecho prematuro deveu-se a querer mostrar à Europa que somos bons meninos a combater o aquecimento global, numa espécie de “ir além da troika” ambiental. Não interessa que, dada a nossa escala, até podíamos todos parar de respirar, deixando de emitir qualquer CO2, que o efeito na concentração de gases de efeito de estufa seria sempre residual, principalmente enquanto os países que mais emitem, como a China e a Índia, continuam a construir centrais de carvão novas. Entretanto, como não temos capacidade produtiva, somos obrigados a recorrer à produção hidroeléctrica das barragens (por isso é que estão perigosamente baixas) e à importação de electricidade de Espanha. Que, curiosamente, é produzida a partir de carvão. Logo, emite o mesmo CO2 que nós orgulhosamente execramos. Matos Fernandes responde a isto com típica prosápia eduardocabrítica. Como Cabrita, alia a arrogância, a inépcia, o ar de quem apanhou calduços na escola e agora se vai vingar dos antigos colegas, e a tendência para andar em excesso de velocidade e responsabilizar o motorista. É o meu candidato. Espero que António Costa o tenha em conta na hora de nomear o governo. E espero que os portugueses não tenham seguido o conselho que o ministro do Ambiente deu há uns anos, quando sugeriu aos mais pobres que, se quisessem electricidade mais barata, deviam contratar a potência mais baixa. Se o tiverem feito, não conseguem manter o frigorífico e a televisão ligados ao mesmo tempo, o que significa que vão perder as performances do novo Eduardo Cabrita nos telejornais.

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