Parece que é agora moda entre os bem pensantes dizer que não há um problema de imigração, que é tudo uma invenção daqueles políticos que não são bem pensantes, como Donald Trump, que, para se divertir, separa os filhos dos pais. Falemos portanto de quem inventou o problema.

Dizer que a imigração este ano está abaixo do pico de 2015 e que por isso não tem qualquer significado — é uma manipulação estatística grosseira. A migração legal e sobretudo ilegal para o Ocidente cresce desde a década de 1990, e não por acaso. Cresce, como é óbvio, devido ao desnível entre o Ocidente e algumas regiões próximas que não têm conseguido participar na globalização a não ser através da circulação de pessoas. Mas cresce também por causa dos cálculos e cinismos das elites ocidentais, em que uns estão tentados a resolver o recuo demográfico através da importação de mão de obra barata, e outros andam fascinados pela transformação dos migrantes em blocos eleitorais cativos (como a esquerda americana, esperançada com a expansão do “voto latino”). Sim, o problema da imigração foi criado pelos políticos, mas por políticos do “sistema” como Angela Merkel, que ao tentar fazer do descontrolo migratório uma prova de virtude provocou uma enchente em que demasiada gente se arriscou e morreu.

A imigração não é um problema para todos. Para as elites, representa um fluxo de trabalhadores dependentes, que permitiu às classes médias abonadas voltarem a ter empregados domésticos: na prática, tratam a África, o Médio Oriente e a América Latina como a velha burguesia europeia tratava o mundo rural, como um reservatório infinito de pessoal doméstico e de operários dóceis. A imigração, porém, é um problema para a população menos qualificada do Ocidente, que têm de concorrer com os recém chegados nos bairros e nos serviços sociais.

Para as elites políticas, esta preocupação traduz apenas o “atraso” dos pobres. Mas a imigração não é apenas uma questão de xenofobia. As elites ocidentais continuam a tratar a imigração com aquela arrogância colonial que fazia da “integração” e da “assimilação” o método de lidar com povos de culturas diferentes. Não conseguem admitir que as novas comunidades migrantes possam manter a sua cultura de origem e recusar os valores das sociedades de acolhimento. Não percebem, sequer, que o relativismo e a má consciência desarmaram os ocidentais para efectuar integrações e assimilações. E não se atrevem, por fim, a reflectir na hipótese de o modo de vida ocidental – a democracia, o Estado social, a tolerância, etc. — depender da coesão nacional, e poder não sobreviver à transformação das sociedades ocidentais numa justaposição de comunidades estranhas entre si. Não, a questão identitária não é simplesmente um vício dos “nacionalistas”.

Finalmente, a imigração não é só um problema para os países que recebem os migrantes: é também um problema para os países que perdem os mais jovens, dinâmicos e por vezes bem preparados. As migrações são também o resultado da cobardia e do egoísmo do Ocidente, que, depois das descolonizações da década de 1960 e perante a concorrência do resto do mundo, prefere importar a força de trabalho dos países pobres, em vez de os deixar aceder aos seus mercados e de os ajudar a tornarem-se seguros.

De resto, como se viu agora com a especulação sobre a “separação das famílias” nos EUA, este é um assunto em que quase toda a gente tende a ser desonesta: já muita gente criticou o rigorismo cruel de Trump, mas falta criticar a hipocrisia histérica dos que gritam contra Trump, mas que mantiveram as leis que ele entretanto anulou e não hesitaram em usar fotos do tempo de Obama, quando o número de crianças detidas era maior, para o incriminar.

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