Muitos dos bons negócios de Alexandre Soares dos Santos deveram-se ao seu sentido de oportunidade. A opção de investir na Polónia, a ida para a Colômbia, o lançamento da Fundação Francisco Manuel do Santos, tiveram sucesso devido ao momento decisivo em que se avançou. A prova que Soares do Santos era um empresário acima do comum é que esse sentido de oportunidade, que tão bem demonstrou em vida, também esteve presente na hora da morte.

Ter-se finado no auge da greve dos motoristas foi uma decisão genial. Soares dos Santos sabia que a sua morte ia espoletar a habitual sanha anti-empresário e, ao optar por falecer quando faleceu, obrigou a esquerda radical a sair à rua com a ladainha do patrão malvado e dos salários baixos, ao mesmo tempo que, para não escangalhar o arranjinho que tem no Governo, está ao lado dos patrões malvados e dos salários baixos, contra os grevistas.

É o mesmo que surpreender um vegan a lambuzar-se com uma entremeada num churrasco e pedir-lhe para, sem limpar os dedos, explicar a sua dieta à base de bagas. Soares dos Santos mostrou que, mesmo defunto, tem mais faro do que muitos empreendedores vivos. Até a falecer provou ter bom timing.

Percebe-se a antipatia que a extrema-esquerda sente por Alexandre Soares dos Santos. Ter montado uma cadeia de supermercados que funcionam bem sublinhou ainda mais, por oposição, que os comunistas andam há décadas a impingir o mesmo produto fora de prazo. E um produto que não se limita a causar um desarranjo intestinal, como iogurtes passados. É um produto que mata mesmo.

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É natural que bloquistas e comunistas não apreciem Soares dos Santos. Estão no extremo oposto. A diferença entre Soares dos Santos e um radical de esquerda é que, se lhes mostrassem um supermercado de prateleiras vazias, Soares dos Santos ia querer descobrir o que estaria a correr mal, enquanto que o camarada ia querer saber o que estaria a correr tão bem.

Na última semana, falou-se muito de Alexandre Soares dos Santos e recordaram-se vários episódios da sua vida pública. O meu predileto é de 2011. Em Fevereiro desse ano, o Governo de José Sócrates garantia que Portugal não estava em recessão. Soares dos Santos acusou então Sócrates de fazer truques e o Governo de mentir aos portugueses sobre a situação económica do país. Em resposta, o Primeiro-Ministro, referindo-se ao empresário, disse “não basta ser rico para ser bem-educado”.

Na altura teve alguma piada. Olhando a partir de 2019, é hilariante. Para já, o país estava, de facto, em recessão – tanto que, dois meses depois, Sócrates perguntava ao Luís se a sua imagem estava boa na TV, para anunciar ao país que acabara de pedir a intervenção da troika.

Depois, ver Sócrates a chamar mal-educado a alguém é como ver Trump a chamar vaidoso a quem quer que seja. (Desde que não seja Sócrates, claro). Em 2011 já se sabia que Sócrates era um bocado ordinarote, mesmo sem ter ouvido a forma como tratava o amigo que lhe estava a montar um apartamento de luxo em Paris. Em terceiro lugar, o dito “não basta ser rico para ser bem-educado” adquiriu toda uma carga auto-referencial a partir do momento em que se soube que Sócrates também é rico.

Finalmente, esta história é estupenda porque, na altura, Sócrates só se lembrou da resposta à noitinha, o que levou a que um dos seus assessores ligasse para a Lusa a dizer que Sócrates a tinha dito publicamente, não tinha é sido captada por nenhum jornalista. O objectivo é que a Lusa noticiasse a tirada, para que entrasse o quanto antes no ciclo noticioso. Sucede que, nessa noite, a editora de plantão da Lusa era uma profissional que não se vergava às ordens dos ajudantes do PM, de maneira que pediu para ouvir a gravação com a tal frase de Sócrates (que, está visto, a sua equipa considerava ser genial). Ora, como essa gravação não existia, ela não publicou. E acabou demitida. (Mais uma trabalhadora que perdeu o emprego por causa do empresário malvado, terá pensado a extrema-esquerda). Entretanto, um dia depois, a frase lá foi dita por um Sócrates visivelmente satisfeito com a sua sagacidade.

Portanto, à conta de Alexandre Soares dos Santos temos: i) Sócrates megalómano; ii) Sócrates mentiroso e iii) Sócrates perseguidor de jornalistas. Um clássico pague 1-leve 3. E porque é que, na morte de Soares dos Santos, trago Sócrates à liça? Porque, numa altura em que António Costa escolhe, para Vice-Presidente do Parlamento Europeu, um dos amiguinhos que usufruiu do dinheiro de Carlos Santos Silva, percebe-se que, no PS, Sócrates ainda é o sítio do costume.