Pedro Nuno Santos revela, com comovente embaraço, que trata a mulher por “baby”. Luís Montenegro lembra, com incontrolável saudade, que “brincava muito na rua, mas sem excessiva traquinice”. André Ventura confessa, com desarmante nostalgia, que está “um pouco arrependido de não ter vivido num determinado momento certas coisas” porque “talvez tivesse feito mais amigos”. É tudo muito fofinho, não é?

Nestas eleições, a forma de fazer campanha em Portugal mudou de forma irremediável. Não é que estejamos perante uma genial originalidade: em democracias maduras e robustas, há muito tempo que os candidatos usam parte do tempo de campanha para conversarem sobre a sua vida privada com apresentadores de programas televisivos da manhã ou da tarde e com humoristas, influenciadores ou youtubers. Barack Obama fez isso. David Cameron fez isso. Pedro Sánchez fez isso.

Tem todo o sentido. Dar o voto a alguém é um ato de confiança política, como é evidente. Mas é também um ato de confiança pessoal, como não podia deixar de ser. Por isso, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura querem mostrar, recorrendo aos meios que forem indispensáveis, que merecem ser os fiéis depositários dessa confiança dos eleitores, especialmente se eles forem recalcitrantes ou indecisos. Em tempos, os assessores de comunicação dos líderes partidários preocupavam-se com a resposta à pergunta “Comprava um carro em segunda mão a este político?”. Agora, estamos longe das preocupações locomotoras — a avó, a mulher, os filhos e o papagaio de estimação são o combustível para perseguir o voto de quem não se quer ocupar com centenas de páginas de programas eleitorais.

Insisto: está tudo certo, é mesmo assim. Convém, no entanto, deixar dois alertas, enquanto é tempo. O primeiro é que, ao exporem sem qualquer filtro a vida privada, usando-a para cumprir os seus objetivos políticos mais terrenos, os líderes partidários transformam a sua família, o seu passado e as suas decisões mais íntimas num terreno legítimo de escrutínio jornalístico. A imprensa irá, naturalmente, procurar incoerências, exageros e mentiras porque convém que os eleitores não sejam enganados por fantasias criadas para ganhar votos.

O segundo alerta é este: quando a política é a sério, uma conversa simpática não substitui uma entrevista incómoda. Mas, nesta campanha, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura trocaram o jornalismo pelo entretenimento. O Observador, por exemplo, passou várias semanas a tentar marcar entrevistas de escassos 45 minutos com os líderes do PS, do PSD e do Chega. Todos recusaram, invocando motivos frívolos, irrelevantes ou dissimulados. Eles sabem bem que não seriam, seguramente, conversas sobre o amor, sobre a nostalgia ou sobre a amizade — seriam sobre propostas, sobre contradições e sobre a adequação das suas promessas à realidade. Mas, isso, Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventura não querem. De forma pusilânime, preferem controlar a mensagem e evitar surpresas. Ao longo desta campanha, em momentos diferentes, cada um destes candidatos já invocou os nomes de Mário Soares e de Francisco Sá Carneiro, tentando assim, esforçadamente, comparar-se com os grandes políticos do nosso passado coletivo. Como já deu para perceber, não fazem ideia do que estão a falar.

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