O quilograma era definido, até agora, como a massa de um cilindro de platina que se conserva num laboratório da Agência Internacional de Pesos e Medidas, nos arredores de Paris. Era este o modelo de referência que nos permitia afirmar que um quilo de chumbo possui a mesma massa que um quilo de algodão. Acontece que a massa de seis cópias oficiais deste modelo diminuiu ao longo dos anos, por motivo desconhecido, provavelmente devido ao desgaste do tempo, levando a supor que a massa do quilograma original tenha decrescido também. Ao manter como referência um objeto físico, é inevitável que, ao longo do dos anos, a sua massa sofra variações que, embora diminutas, sofrem um efeito cumulativo a longo prazo.
Por conseguinte, a Agência Internacional de Pesos e Medidas anunciou na passada semana que o valor de um quilograma irá passar a ser calculado a partir da constante de Planck, valor matemático que permite estabelecer uma relação entre a energia e um fotão de luz. Um artigo na revista The Economist sublinha a ironia de que uma constante proveniente da mecânica quântica – onde reina o princípio da incerteza – venha contribuir para uma determinação mais exata da massa de um corpo. Porém, esta alteração da definição de quilograma, não terá qualquer implicação na vida cotidiana.
A utilização de unidades de medida permite ultrapassar a subjetividade do olhar, uma vez que “os meus olhos são uns olhos” e “cada um é seus caminhos” (António Gedeão, Impressão Digital). A medição constitui, assim, uma ferramenta imprescindível em qualquer área científica, possibilitando o estudo quantitativo dos fenómenos. Não deverá parecer estranho que, medir o mundo que o cercava, o homem tenha começado por utilizar o próprio corpo, afinal medida de todas as coisas. Recorria-se aos palmos para medição de comprimentos. Sendo desconfortável levar as mãos até ao solo, media-se com pés a distância dos caminhos. Numa época em que os passos do paço eram aqueles que mais valiam, no ano de 790 d.C., foi adotada, como padrão, a real pegada do imperador Carlos Magno.
Mas a ideia de um sistema de medidas unificado foi sobretudo impulsionado após a Revolução Francesa, perante as contendas que tinham lugar entre comerciantes, cidadãos e cobradores de impostos. A Academia Francesa de Ciências criou então um sistema de medidas baseadas num padrão fixo, definindo que a unidade de metro deveria corresponder a uma fração da distância entre o equador e o polo norte. Ao mesmo tempo, ficou estabelecido que um quilograma representaria a massa de um decímetro cúbico de água destilada a 3,98 graus Celsius, a temperatura a que a água alcança maior densidade à pressão atmosférica. Desde então, o quilograma passou a representar a unidade de medida para massa, e o metro a unidade de medida para o comprimento. Foram criados, então, dois protótipos de platina iridiada, que foram depositados nos Arquivos da República, em Paris.
Até que, em 1983, o metro deixou de ser definido tendo por base a barra de platina para passar a corresponder à distância percorrida pela luz, num determinado intervalo de tempo, adotando como referência a velocidade da luz relativamente à velocidade da luz, no vácuo, que apresenta o valor constante de 3×108 metros por segundo.
Também o tempo, com as perturbações que suscita na mente dos filósofos, não saiu incólume desta discussão. Apesar de o dividirmos em passado, presente e futuro, a descrição do tempo que alcançou maior celebridade foi formulada, no séc. IV d. C., por Santo Agostinho: “Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.” Séculos mais tarde, o segundo foi definido relativamente ao movimento de rotação da terra em torno do seu eixo mas, não sendo esta referência suficientemente precisa, tomou-se como referência a revolução do planeta terra em torno do Sol. Nos nossos dias, com o desenvolvimento de relógios atómicos, o segundo passou a ser definido tendo por base a duração da transição de um átomo de césio entre dois níveis de energia.
Deste modo, as unidades do Sistema Internacional deixam de ser definidas por objetos concretos, materiais, passando a ser inferidas a partir de constantes numéricas, abstratas. Estas constantes apresentam a vantagem de se manter imutáveis. Isto significa que, a partir de agora, os padrões de medição se manterão iguais para sempre. Foram, assim, estabelecidos padrões “mais duradouros que o bronze”, no dizer de Horácio e, podemos nós acrescentar, mais duradouros do que a platina.
Médico; Assistente Convidado da Universidade de Lisboa