A maneira como o regime trata o presidente da república é curiosamente extravagante. Pelos comentários oficiais, parece que o presidente pouco mais faz do que telefonar para programas da manhã. É a esses divertimentos que os oligarcas gostam de reagir, umas vezes divertidos, outras chocados. Mas quando o presidente toca em coisas sérias, a regra é fazerem de conta que não ouviram. Foi o que se constatou com a última entrevista presidencial, à Lusa. E no entanto, a entrevista justifica alguma anotação.

Que disse o presidente? Explicitamente, lamentou a fraqueza da oposição. Implicitamente, ao reparar que “uma oposição fraca dá um governo fraco”, chamou a atenção para a fraqueza do governo. Mas se a oposição e o governo são fracos, existiriam na sociedade portuguesa, segundo o presidente, “movimentos de opinião mediaticamente muito fortes”, que já “não têm que ver com os debates partidários”, e que começariam a configurar uma “oposição inorgânica” — por enquanto “pequenina”.

Creio que nenhum presidente, tirando talvez o general Eanes nos momentos menos auspiciosos da transição democrática, foi alguma vez tão severo com o regime. Temos não só um regime fraco, mas um regime que, na sua fraqueza, poderá ter de lidar com opiniões fortes.

A maior parte da classe dirigente portuguesa nunca acreditou muito na possibilidade de fazer uma democracia com a população menos instruída da Europa ocidental. A solução foi integrar a população no Estado, e integrar o Estado na UE. A governação em Portugal passou a consistir nisto: aproveitar as boas conjunturas, propiciadas pela integração europeia, a fim de obter, por via do imposto e da dívida, os meios necessários para distribuir subsídios e regalias — e assim, através da dependência, domesticar o povo. Daí que um governo com uma conjuntura próspera tenha sido até agora considerado eleitoralmente invencível. É por isso que Rui Rio é presidente do PSD: porque, em Janeiro de 2018, as elites do partido apenas precisavam de arranjar alguém para perder com António Costa. E é também por isso que Rui Rio tem a estratégia que tem: não podendo ganhar a Costa, julga que lhe resta, para sobreviver, juntar-se a ele.

A fraqueza da oposição não é surpresa. A novidade, quando a economia cresce, é a fraqueza do governo. Mas também não é muito difícil de perceber. Os oligarcas ainda não recuperaram, nem da bancarrota de 2011, quando o euro não os poupou ao FMI, nem do trauma eleitoral de 2015, quando PS, PCP e BE perderam umas eleições que a ciência do regime dizia que deviam ganhar. A “geringonça” nunca reflectiu mais do que a perplexidade dos derrotados. A política que seguiram desde então foi, na sua manha e timidez, determinada por isso: aproveitar a primavera financeira do BCE, a fim de consolidar as necessárias clientelas eleitorais. O PSD, como se tem visto pela vontade de arranjar um lugar à mesa de Costa, não parece ter melhor ideia.

Numa sociedade civil débil e com instituições sem independência, tudo isso costumava chegar. Agora, porém, há incerteza. O regime parece acreditar cada vez menos em si próprio. Uma das maiores dívidas públicas do mundo e uma das economias que menos cresce na Europa  não permitem as larguezas do passado. O conjuntura externa não dá garantias de durar. A oligarquia duvida e receia. Faz o que sempre fez, porque não sabe fazer outra coisa. As chamadas “reformas estruturais”, que sempre competiram à direita, não foram feitas depois de o PSD e o CDS, a partir de 2002, se terem tornado prisioneiros das ressacas de austeridade da governação socialista. À sua volta, mesmo sem “populismos”, o regime pressente uma polarização de opiniões, por enquanto “pequenina”, mas que o pode ultrapassar. Na citada entrevista, o presidente da república decidiu registar a devida preocupação. Mas parece que a oligarquia só quer ouvir as suas chamadas para Cristina Ferreira.

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