Os líderes do PSD são amplamente criticados, tanto dentro do seu partido como na praça pública. Os jornais escrevem os seus obituários políticos com regularidade, os militantes não gostam de esperar por resultados (ninguém gosta) e os deputados anseiam por uma atenção especial que nunca chega. Ser presidente do PSD estará no top 5 dos empregos com maior taxa de treinadores de bancada por declaração. Toda a gente faria melhor ou, pelo menos, diferente. O fenómeno não é novidade. Lembro-me, por exemplo, das queixas de alguns sobre Pedro Passos Coelho. «Não ouve ninguém», «não muda», «não consegue fazer oposição». Esses queixosos, que depois apoiaram Rui Rio, devem hoje viver tempos de triste ironia. Aquilo que não gostavam em Passos não mudou com a vinda de Rio e as virtudes do primeiro – vontade, institucionalismo, solidez – não foram mantidas pelo segundo. A direção atual tem um posicionamento incoerente com a história do partido e até com aquilo que prometera. Mas essa é uma leitura política já feita por vários, fundamentada em divergências de ideologia e estratégia que seriam válidas, como antes vimos, para qualquer liderança. E esse não é o objetivo deste texto.

Desde que Rui Rio foi eleito presidente do PSD que a República vive com um chefe de governo e um líder de oposição não só assumidamente próximos como perigosamente similares. Este PSD e este PS têm visões pouco saudáveis e bastante semelhantes sobre a recente atuação da Justiça, sobre a liberdade de imprensa e sobre o papel do parlamento. Dito de outro modo: para Rio e Costa, o debate quinzenal é um frete, Joana Marques Vidal é para sair e a culpa das más notícias é dos jornalistas. Costa tem um riso que José Sócrates não tinha, mas a hostilidade à comunicação social e a proliferação de páginas anónimas mantêm-se – hoje em dia completas pela propaganda nas redes sociais, distantes do escrutínio jornalístico. Rio, não tendo sucedido a Sócrates, está obrigado a menos discrição e isso viu-se esta semana. Em resposta a uma notícia do diário Público, a conta oficial do PSD acusou uma jornalista de fazer um “trabalhinho” e de estar numa “cruzada” contra o partido. Tal é grave e inteiramente oposto à distância que a liderança de Passos Coelho mantinha da imprensa – não tendo sido Passos exatamente poupado no que à imprensa diz respeito. Rio e Costa, pelo contrário, usam-na como bode expiatório. Quem não se lembra do currículo falso de Feliciano Barreiras Duarte ser culpa da comunicação social «ávida desses temas»? Ou de o primeiro-ministro, por sua vez, acusar os órgãos de informação de «não saberem lidar com tragédias», quando o próprio continua a falar de incêndios como se estivesse em campanha?

Perigosamente, a mimética da parelha não fica por aí. Há outro escrutínio público cujo desprezo Rui Rio partilha com António Costa: o parlamentar. Se Costa está constantemente na fuga à verdade, deixando, como já foi noticiado, dezenas de perguntas escritas por responder, Rio não é melhor; é conivente. O modo como desvalorizou ativamente a bancada do PSD – antes a maior da Assembleia; hoje a mais apagada da Assembleia – é prova disso. Os deputados da direção parlamentar do PSD são pressionados a não fazer oposição pela direção nacional do PSD e até os “acordos” com o governo foram tratados entre Rio e Costa, isto é, novamente longe do escrutínio parlamentar. Olhando para a forma como ambos descartam os atos eleitorais, a sua similitude é quase fraterna: Costa governa apesar de ter perdido; Rio vai a eleições apesar de não querer ganhar.

Aquilo que pretendo concluir com estes exemplos é que as críticas à liderança de Rui Rio não se devem resumir, à perpectiva tática («deixem-no ir perder em 2019»), à perspetiva dirigente («quando é que vou para secretário de Estado?») ou à perspetiva programática («nunca fomos de centro-esquerda»). A falta maior de Rio é mais danosa do que tudo isso, pois constitui um risco para o nosso regime. No curto-prazo, demover o maior partido de oposição da sua função de oposição é irresponsável, na medida em que os 18 deputados do CDS e uma dúzia de desalinhados não chegam para fazer frente a todo o restante parlamento. No médio-prazo, remover o PSD da sua função de contrapeso ao Partido Socialista é igualmente irresponsável porque o sistema democrático necessita – necessitou sempre – desse equilíbrio entre os dois grandes partidos. No longo-prazo, será a essência desse regime, dessas diferenças, dessas liberdades e desses mecanismos de escrutínio que estará em causa.

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