A notícia de que o antigo líder do CDS-PP vai trabalhar para a empresa Mota-Engil não podia ser pior para a pouquíssima confiança que o eleitorado português tem na classe política que nos governa desde o 25 de Abril, ou seja, desde que há democracia. Daí que a rudeza do golpe não atinja apenas a oligarquia partidária e familiar que nos tem governado, mas também o regime genericamente definido como democrático, isto é, “livremente eleito”… Quem não percebe isso, não percebe nada do que se passa com a nossa democracia há décadas!

Não vale a pena procurar as diferenças e as desculpas de cada carreirista – mulher ou homem – cujo percurso partidário começou bem e acabou mal. Não vale a pena dizer que é uma coincidência se Paulo Portas foi trabalhar para a Mota-Engil e Jorge Coelho também. O que interessa é que um veio da extrema-esquerda para o PS e, através deste, para o governo e daí para o poleiro de ouro; enquanto o outro vem da extrema-direita, se alguma vez saiu dela, para chegar ao governo e, daí, ir trabalhar para a mesma empresa. Ao público, interessa em contrapartida que ambos pertençam, como bons oligarcas, a sólidas redes de mútuo apoio.

Tão pouco vale a pena dizer que é coincidência se foram ambos trabalhar para a mesma empresa. Podiam ser empresas diferentes mas, por oligárquica coincidência, é a mesma. E não uma qualquer mas sim uma dessas empresas de construção civil – uma típica indústria de país atrasado – que beneficiou como poucas dos milhares de milhões de euros que o regime gastou em obras públicas sempre muito mais caras do que o preço pelo qual tinham sido ajustadas!

Foi para beneficiar essas e outras empresas semelhantes, assegurando de antemão futuros empregos para os membros dos partidos e as suas clientelas, que os sucessivos governos levaram o país à ruína e que os contribuintes continuam a pagar, impunemente para os partidos, os quais são basicamente os mesmos mas cada vez com menos votos. A chamada extrema-esquerda, que agora já integra o “arco da governação”, também não está isenta, através das necessárias transferências do PCP para o PS e deste para as empresas, da partilha de benesses geradas pelos governos.

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Por fim, os beneficiários desta roda da sorte que não cessa de os propulsar para o céu da vida política podem continuar a contar com um microfone ligado numa qualquer antena de televisão ou de rádio a partir da qual comentam, com a sua sábia experiência de governantes, os eventos que nos afligem mas dos quais eles estão felizmente a salvo… Ora bem, se assim é, como acabámos de ver uma vez mais, o que acha a oligarquia que o “votante” pensa dela?

A primeira coisa que este pensa é, evidentemente, que eles – os agentes partidários – “são todos iguais”. Daí, com razão ou sem ela, o escorregar cada vez mais rápido para aquilo que os italianos chamam, desde a chamada democracia, o “qualunquismo”, que continua a reger em boa medida a Itália de hoje, assim como os países da Europa do Sul com culturas semelhantes!

Não se creia, porém, que os votantes menos cínicos agem de modo muito diverso. Podem perceber melhor o que se passa efectivamente, mas na prática só lhes resta uma de duas alternativas: ou apoiar cinicamente aqueles que se guindaram ao poder e, como tal, têm a possibilidade de beneficiar as corporações de que cada votante e familiares fazem parte; ou então, como fez a maioria dos eleitores registados na última eleição presidencial, poderão simplesmente abster-se, como quem diz: é lá com eles…

Todavia, o abstencionismo é o fenómeno político mais difícil de estudar. Basta dizer que nunca se encontra nos inquéritos pós-eleitorais em Portugal uma percentagem de abstencionistas próxima da abstenção real. Fiz essa experiência a seguir às legislativas de 2002 e o resultado foi extraordinário: na realidade, como é sabido, ganhou o PSD, o qual fez aliança com o CDS para governar até o primeiro-ministro eleito abandonar o lugar pela presidência da Comissão Europeia… Também Paulo Portas chegou a tomar a decisão irrevogável de abandonar o governo em 2013…

Ora bem, voltando a 2002, quando os inquiridos foram interrogados acerca do seu comportamento nas legislativas de Março, verificou-se que, sendo a abstenção perto de 40%, só cerca de 25% das pessoas admitiram ter-se abstido, ou seja, 15% “mentiram”… O mais curioso, porém, é que a “mentira” não era aleatória, já que, somadas as declarações de voto desses 15%, o PS teria ganho a eleição, ao contrário do que sucedera na realidade…

Mais: nesse mesmo estudo, dediquei-me a quantificar a confiança e o apoio dado pelos eleitores portugueses aos partidos e aos seus dirigentes. De acordo com as minhas contas de então, a nota que o eleitorado lhes dava, numa escala de 20 correspondente a 14 items, era 8. Como escrevi nessa altura, “na escola, estariam ‘chumbados'”! Ora, alguém imagina que hoje seria muito diferente? Não creio! Comportamentos sistemáticos como estes, badalados em todos lares e escritórios, só podem reforçar a profunda desconfiança que a grande maioria do eleitorado nutre pela oligarquia partidária. Isso pode parecer que ajuda o governo do dia – e no curto prazo ajuda – mas a médio-longo prazo só agrava o divórcio entre os eleitores e os seus pretensos representantes!