Basta consultar a abundante informação proporcionada pelo «Financial Times» nas últimas semanas, nomeadamente o artigo de dia 23, para nos apercebermos da diferença abissal de comportamento entre Espanha e Portugal. E é não só no plano político, como se verifica desde a recente formação do novo governo do PP em coligação minoritária com os «Ciudadanos», mas também no que diz respeito ao bom comportamento económico e financeiro da Espanha nos anos de saída da crise sob o governo então maioritário do mesmo PP.

A diferença reside não só nas reformas eficazes promovidas pelos conservadores espanhóis (Rajoy, PP) a seguir ao colapso do governo socialista em 2011 (Zapatero, PSOE), mas sobretudo na atitude de cooperação do dito PSOE, desde então na oposição, em relação ao actual governo minoritário do PP. Os socialistas não só deram apoio explícito às medidas de contenção orçamental como fizeram um pacto parlamentar com o governo para definir os termos da futura reforma constitucional. Foram estas medidas reformistas que ajudaram a resgatar a Espanha da crise e fizeram com que o país vizinho, de longe o nosso principal parceiro económico, tenha actualmente uma taxa de crescimento dupla da média europeia e muito superior à de Portugal.

Ao invés disso, o governo formado pelo PS com o apoio do PCP e do BE lançou-se, desde que tomou o poder contra a tradição parlamentar portuguesa vigente até então, numa «reversão» desenfreada de todas as medidas tomadas pelo governo anterior. Em pouco mais de um ano, a coligação de esquerda restabeleceu assim o peso esmagador do Estado sobre a sociedade e a economia, aumentou a dívida pública e reduziu o crescimento, continuando a ignorar medidas de fundo como a reforma das pensões, perante uma das populações mais envelhecidas do mundo, como é a nossa, com os seus conhecidos efeitos económicos depressivos.

Enquanto a Espanha, especificamente intervencionada devido à situação do seu sistema financeiro, parece ter recuperado da crise, o governo português foi incapaz, ao fim de um ano, de fechar qualquer dos dois maiores «buracos» da banca portuguesa, o antigo BES e a CGD, que continuam por recapitalizar e estão sobrecarregados de imparidades (a imprensa fala de «calotes» na ordem de 15 mil milhões de euros). No mesmo espaço de tempo, o BANIF desapareceu e, enquanto um grupo de patriotas se manifestava contra a alegada invasão da banca espanhola, esta foi substituída por capitais especulativos chineses e angolanos de duvidosa idoneidade política, como salientei há bastante tempo.

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O caderno económico do «Expresso» de 17 deste mês não fala de outra coisa se não de dinheiro que sumiu e volta a aparecer ou vice-versa, ao mesmo tempo que o governo do PS e os seus aliados prometem o que têm e o que não têm aos chamados «lesados do BES»: no mesmo dia, anunciavam o montante do perdão fiscal e prometiam mais de metade disso aos ditos «lesados». E hoje, véspera de Natal, além do feriado de segunda-feira 26 oferecido aos funcionários públicos, foi o anúncio simultâneo do aumento do salário mínimo e a diminuição da TSU: daqui a um ano veremos por onde andarão todas essas promessas! É bom ter presente que o futuro salário mínimo ainda ficará 200 euros abaixo do valor que já tem em Espanha…

Entretanto, após o afastamento do pretenso salvador Renzi, é o sistema bancário italiano, considerado até aqui grande de mais para ser intervencionado, que começa a dar de si. O mais antigo banco do mundo – o Monte dei Paschi di Siena, fundado no século XV – já não conseguiu financiar-se no sector privado e prepara-se para cair nos braços desse polvo tentacular que é o Estado italiano, o qual já faz recear o pior à zona euro.

Como em Portugal, também em Itália o peso do Estado e a partidarização da economia e da sociedade são responsáveis pela falta de crescimento na Europa do Sul à qual só a Espanha escapa neste momento. A zona euro revolta-se com esses países que, como repetem o nosso governo e o PR, se dizem sujeitos a «pressões externas» que os impediriam de crescer, quando a verdade é que participaram desde o início na adopção de todas as regras que a moeda única exige. Ora, o incumprimento dessas regras e a confissão permanente de incapacidade concorrencial já estiveram mais longe de ser aceites benignamente pela UE e a sua intolerância só poderá aumentar, agora que está a ser atingida a terceira maior economia da zona euro, em plena desordem política internacional!

Nestas condições de extrema instabilidade, o único voto que se pode fazer para o ano que vem é que o governo português dê provas de coerência e de credibilidade quando toma qualquer decisão relevante. Sem isso, Portugal não terá a confiança dos seus parceiros europeus nem dos países terceiros, sem os quais não alcançaremos os investimentos nem as trocas comerciais que nos fazem falta como pão para a boca. A palavra-chave é confiança e é isso que não temos, nem lá fora nem tão pouco cá dentro. Por isso, o governo se agita tanto sem mudar de lugar.