Comemoraram-se sábado os 60 anos do Tratado de Roma e, em Portugal, felicita-se o governo pelo défice baixo. Mas não me parece que haja muito para celebrar. A União Europeia que conhecemos, e à qual Portugal aderiu, está a chegar ao fim. A consagração da “Europa a várias velocidades” marca o fim da “Europa do Tratado de Roma”. Ironicamente, o nascimento da nova Europa aconteceu quando se celebra os 60 anos da velha Europa. Desde 1957, e Roma, a construção europeia fundou-se no princípio da integração partilhada por todos com a mesma velocidade. Mesmo o Euro foi visto desde a sua criação como o destino de todos os países. A opção por ficar de fora do Euro foi um regime de excepção, o famoso “opt out”. A Europa a várias velocidades, ou a Europa a la carte, foi sempre rejeitada pelas instituições europeias. Há um ano, Cameron pediu mais excepções no caso da liberdade de circulação de pessoas em nome de uma Europa a várias velocidades. Os outros 27 recusaram para defenderem a velha Europa. Se tivessem reconhecido, na altura, a necessidade de aceitar uma Europa a várias velocidades, possivelmente não estaríamos a discutir o Brexit. Mas, a partir de agora, o que era excepção vai tornar-se a regra.

A Europa a várias velocidades foi imposta por Berlim e é uma ameaça para Portugal. Não significa apenas avançar para o futuro a várias velocidades. Também quer dizer que o passado pode ser revogado (e a geringonça conhece bem o acto de revogar). As velocidades europeias a partir de agora também têm a marcha atrás. A partir do Brexit, saídas da União ou do Euro deixaram de ser tabu. A União vai aprender, com as negociações do Brexit, a deixar sair um país. Esperemos que não tome o gosto. Na Europa, o ano de 2017 é politicamente estranho. As eleições francesas e alemã impuseram uma pausa. Está tudo à espera dos novos governos em Berlim e em Paris. 2018 vai ser um ano de definições e da consagração da Europa a várias velocidades. Define-se os termos da saída do Reino Unido e a zona Euro vai mudar. É impossível prever o sentido da mudança, mas terá que mudar. O Euro está num limbo onde não pode continuar. Mas não irá andar num sentido único, ou para a frente ou para trás. Desconfio que irá andar em vários sentidos ao mesmo tempo.

A saída de países da zona Euro pode ser uma das mudanças. Não é certo que a Grécia continue no Euro no fim de 2018. Em Itália, aumenta a oposição ao Euro e se houvesse um referendo o não à moeda única seria muita capaz de vencer. Neste momento, dos quatro maiores partidos nas sondagens, três são a favor da saída do Euro. Circulam em Berlim e em Roma papeis e cenários sobre a necessidade da Itália adoptar um sistema de duas moedas. Se a Grécia e a Itália saírem do Euro, mesmo que temporariamente, para ficar no Euro, Portugal teria que aceitar condições que seriam inaceitáveis para o PCP e para o Bloco de Esquerda. E uma crise a sério na zona Euro pode ser mesmo antecipada por uma vitória de Marine Le Pen nas eleições francesas (cenário ainda pouco provável, mas possível).

Em Portugal, será muito difícil o governo manter o défice baixo no final do ano, sem continuar a desinvestir nos serviços públicos. Com o tempo, não será aceitável nem sequer possível. O governo também combateu o défice, aumentando a dívida pública. O endividamento permanente é igualmente insustentável. O governo acredita que um dia terá que haver uma solução europeia para dívidas excessivas como a portuguesa, por isso não se preocupa demasiado com o seu aumento. Mesmo que haja uma renegociação a discussão não acaba com a redução da dívida. No dia em que a zona Euro discutir a renegociação das dívidas elevadas, e terá que o fazer, vai impor condições. Para o PCP, para o BE e para grande parte do PS, deve reduzir-se a dívida sem se fazerem reformas. Ou seja, não se paga hoje para se voltar a gastar amanhã. Uma ilusão. A renegociação da dívida chegará, mas serão os credores a impor os termos dessa renegociação. O PCP e o BE terão que deixar de ser os partidos que são para algum dia aceitarem os termos dos nossos credores.

A reforma do Euro em 2018 poderá introduzir uma versão dos chamados “Eurobonds” e até a criação de um Tesouro para o Euro (a Comissão Europeia poderá fazer essa proposta já em Maio). Mas a Alemanha só aceitará estas mudanças impondo reformas que aumentem a competitividade económica dos países do Euro. Os países que não aceitarem esses reformas, não se poderão financiar através dos Eurobonds. Seja no contexto da restruturação da dívida ou da introdução de Eurobonds, as condições impostas incluirão a redução da despesa pública (muito mais difícil do que reduzir o défice num ano), uma reforma a sério do mercado de trabalho, e reformas fiscais para aumentar a competitividade da economia. Os partidos da extrema-esquerda não poderão aceitar o que passaram os últimos 30 anos a combater. Em 2018, 2019, Portugal terá que decidir se quer continuar no Euro ou não. Se decidir ficar, será o fim da geringonça. Poderá haver um governo do PS com maioria absoluta, com os socialistas a regressarem ao centro. Mas a geringonça chegará ao fim.

Na velha Europa de Roma, os países andavam na mesma velocidade com carros muito diferentes. Na Europa a várias velocidades, os que andarem na mesma velocidade terão que ter o mesmo tipo de carros. O que à primeira vista parece ser o reconhecimento do pluralismo europeu acabará numa grande pressão para a uniformidade. Especialmente na zona Euro. A era do TINA (there is no alternative) ainda está para chegar.

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