Já começamos a habituar-nos: com a primeira notícia do ataque, vem logo a especulação sobre se, afinal, não terá sido apenas um “louco”; confirmado que se trata de um jihadista, passa-se à hipótese do “lobo solitário”; e quando, finalmente, os seus cúmplices são presos num bairro conhecido pelos “problemas de radicalismo”, resta um último truque: insistir que o importante não é o terrorismo, mas o seu “aproveitamento” pela “extrema-direita”.
Vale tudo para fugir ao problema. Percebe-se porquê: no Reino Unido, três quartos dos jihadistas têm familiares e amigos ao corrente dos seus planos, e uma proporção significativa é originária de apenas cinco bairros em Birmingham. A campanha jihadista contra o Ocidente não é um simples caso de polícia ou um eco de guerras longínquas. Está enraizada em certas comunidades. É uma questão política, derivada da expansão no Ocidente de populações indiferentes ou hostis aos valores e às instituições ocidentais. Muitos tratam apenas das suas vidas. Alguns, porém, estão empenhados em importar para a Europa a violência sectária do Médio Oriente. Em Inglaterra, há pelo menos 3000 suspeitos sob vigilância.
Muita gente estranhou o comentário do mayor de Londres (de há uns meses, mas lembrado agora), de que o risco do terrorismo faz parte de viver numa grande cidade. Mas Sadiq Khan tem razão: é assim que se vive nas cidades da Síria e da Turquia, do Iraque e do Paquistão. E a razão por que Londres ou Paris começam a evoluir na direcção de Bagdade ou de Lahore, não é apenas pelo envolvimento histórico das potências europeias nessas paragens, mas pela projecção crescente das populações oriundas dessas regiões no Ocidente. Desta vez, não é possível resolver o problema através da retirada, como nos tempos da descolonização. E só porque não há uma solução fácil, não quer dizer que não haja um problema.
Os políticos ocidentais clamam que não querem “estigmatizar” as comunidades muçulmanas do Médio Oriente. Mas não se trata de “estigmatizar”: trata-se de levar a sério as suas identidades e valores. Os ocidentais parecem convencidos de que uns cursos rápidos de tolerância bastarão para as persuadir a adoptar o relativismo que passa por moral no Ocidente. E se essas comunidades continuarem a sentir, apesar de estarem na pátria de Locke ou de Voltaire, que o dever dos crentes é o de adequar o contexto aos seus valores, e não os seus valores ao contexto?
As elites ocidentais desvalorizam o desafio jihadista com uma velha bazófia: que podem barbudos com facas contra democracias que, em tempos, derrotaram Hitler? Sim, os bisavós dos cidadãos dessas democracias desembarcaram na Normandia. Mas como reagirão os seus bisnetos quando sair à rua se tornar uma lotaria de morte? Talvez a probabilidade de morrer numa ponte em Londres seja sempre mínima. Mas será inaceitável para sociedades ansiosas por eliminar todos os riscos.
Por isso, não foi a “austeridade”, mas as migrações, contaminadas pelo jihadismo, que desestabilizaram a política na Europa e na América, e que explicam o Brexit e Trump. A “crise dos refugiados” em 2015 afectou mais a Europa do que a crise do Euro de 2010: a Grécia permanece na UE, mas o Reino Unido vai sair. As migrações do Médio Oriente são a questão política decisiva do nosso tempo. Sim, seria uma tragédia se os demagogos do nativismo nos voltassem a dividir em nações hostis. Mas é preciso mais do que exortações de unidade. Não é possível evitar todos os atentados, mas tem de ser possível segurar fronteiras e não ter medo de afirmar valores. Convinha que europeus e americanos não acabassem por ver as suas elites políticas como os jihadistas já as vêem: a fidalguia decadente de um reino incapaz de decisão.